Italianità brasileira – parte 3

Italianità brasileira – parte 3

A influência da língua italiana no português brasileiro.

Esta é a terceira e última parte da trilogia sobre a imigração italiana para o Brasil. As duas primeiras partes podem ser acessadas em: Italianitá brasileira 1 e Italianità brasileira 2, para a versão em português. Para a versão em italiano acesse Italianità brasiliana 1 e Italianità brasiliana 2.

Como vimos na primeira parte, os italianos desembarcaram no Brasil trazendo algo precioso para qualquer cultura: suas línguas. Os imigrantes vieram de várias regiões da Itália em que diferentes línguas eram faladas. Algumas são consideradas hoje dialetos do Italiano oficial, mas outras, como o napolitano falado na região sul da Itália é uma língua de fato. Vale ressaltar que por divergências socioculturais e políticas, a língua napolitana não é reconhecida como um idioma oficial da Itália. Entretanto, nós brasileiros devemos muito a ela, pois o segundo maior número de imigrantes veio da região onde o napolitano era predominante, a Campânia, ficando atrás do Vêneto que fica na região norte do país.

Muito interessante é conhecer os caminhos das línguas que aqui chegaram e as interações em solo brasileiro. É importante também lembrar que a língua italiana culta conhecida hoje não existia. Alguns poucos imigrantes tinham apenas noções do chamado italiano popular, uma mistura de dialeto local e italiano. A comunicação entre os imigrantes italianos no Brasil foi um desafio, pois cada região italiana falava sua própria língua ou dialeto e eles não se entendiam. Uma vez no Brasil, mais uma língua junta-se a essa mescla: o português brasileiro. Entretanto, a maior parte dos imigrantes da primeira geração, principalmente aqueles que foram para as zonas rurais e permaneciam mais isolados, e portanto, tinham menos contato com o português, não aprenderam nosso idioma.

A influência linguística entre línguas em contato, e as consequências disso, é um fenômeno extremamente complexo. Foi descrito pela primeira vez por Weinreich em 1953, quando passou a ser mais bem investigado. Ainda se sabe pouco sobre ele, mas é possível afirmar que fatores sociolingísticos atuam fortemente nas modificações que as línguas envolvidas sofrem. As variações nas línguas surgem e geralmente a forma de maior prestígio social é a forma que “vence”.

Neste universo linguístico, o sotaque é a manifestação que mais gera discriminação. A maneira de falar não só identifica o falante, mas como vimos na Parte II, o comportamento linguístico sofre modificações a depender do ambiente social. Um exemplo bem claro da interferência social sobre as línguas ocorreu na época da segunda guerra mundial, em que houve repressão policial e até espancamento caso as pessoas fossem pegas falando dialetos nas ruas. Desse modo, algumas famílias de imigrantes proibiam os filhos de falarem os dialetos mesmo em casa. O português era a língua que deveria predominar. Mas, para além de “decretos” vindos de cima para baixo, não falar português estava associado à inferioridade dentro da sociedade nas zonas urbanas. Então, aos poucos, os dialetos italianos foram diminuindo de importância e em número de falantes ao longo do tempo e alguns foram extintos. Mesmo assim, o italiano e o português foram se entrelaçando numa harmonização para lá de saudável.

Os imigrantes vindos da região do Vêneto e Lombardia concentraram-se na zona rural do Rio Grande do Sul. Esses dialetos também interagiram e acabaram por formar um terceiro, o talian, considerado pelos falantes das zonas urbanas como uma fala grosseira e inferior. Sendo assim, acabou limitado às zonas rurais e foi perdendo falantes ao longo das gerações.

Em São Paulo, maior concentração de imigrantes italianos, os dialetos eram tão ouvidos quanto o próprio português nos bondes, ruas, comércio e indústrias.  Não só a língua falada estava presente, mas também a escrita. Não se pode negar o papel do jornal Fanfulla, que circulou por 128 anos a partir de 1893 e trazia artigos escritos em italiano com notícias da Itália e da capital paulista.

Facilmente é possível perceber que a relação entre o português e o italiano proporcionaria muito mais que simplesmente aprendermos a pronunciar “pizza” ou “cappuccino”. O italiano está presente no nosso vocabulário muito mais do que imaginamos. As palavram de origem italiana estão presentes na gastronomia (nhoque, muçarela, polenta, risoto), na música (soprano, partitura, sonata, violoncelo), nas artes e arquitetura (magenta, brocado, feltro, aquarela) e em tantas outras áreas como fascismo, gôndola, máfia e mezanino.

Além de palavras, expressões como “pagar o pato” têm origem italiana. Antonio Rosito, um ítalo-descendente de São Paulo, conseguiu a proeza de reunir em um pequeno dicionário mais de 200 expressões de origem napolitana usadas e incorporadas ao dia a dia de gerações. Porca miséria!

Dentre muitas, acredito que a história mais peculiar seja a do nosso “tchau”. Na Itália, o “ciao” é usado tanto como o nosso “oi”, mas também para se despedir.  Ele vem do dialeto falado em Veneza e originalmente significava “sou seu escravo” (sono vostro schiavo), uma expressão para manifestar disponibilidade e cortesia, tipo “a seu dispor”. Com o passar do tempo, a forma inicial foi sendo reduzida restando somente o ciao. Processo semelhante ao nosso “vossa mercê” que evoluiu para “vosmecê” e depois para “você” e hoje limita-se ao “cê”.

É com um “ciao” que a história desse povo maravilhoso, descrita muito brevemente aqui no Diário do Engenho, termina. A todos os imigrantes pioneiros, não só italianos, mas japoneses, alemães, ucranianos, português, holandeses e de tantas outras nações, minha gratidão. Sem eles, nós brasileiros não teríamos esta diversidade de culturas, sabores e línguas. Salientamos que esta diversidade maravilhosa também se deve aos africanos e povos nativos indígenas que não foram objeto desta trilogia.

 

 

Beatriz Funayama Alvarenga Freire é médica, cantora,  atleta, doutora em medicina pela Unesp, pós-doutora pela Rijkuniversiteit Groningen – na Holanda – e mestre em linguística pela Unicamp.

 

 

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