Doações de grandes empresas no combate ao Coronavírus: ação solidária ou oportunismo?

Doações de grandes empresas no combate ao Coronavírus: ação solidária ou oportunismo?

Quem confessa a cosmovisão cristã vai se lembrar de um livro bíblico chamado “Atos dos Apóstolos.” Nesse livro, o capítulo 5 nos conta a história de que o grupo dos cristãos daquela época passaram a ter uma ação solidária para fazer frente às necessidades dos pobres da região de Jerusalém no século I. As doações financeiras eram volumosas e em determinado momento a tradição cristã vai nos contar que um casal, chamado Ananias e Safira, fizeram suas doações também – mas mentiram ao dizer que haviam dado tudo que tinham e, de certa forma, usaram de oportunismo barato. Ao serem descobertos, entraram para a história cristã como mentirosos.

O que essa história bíblica guarda de relação com o tema deste artigo? Se acessarmos o site monitordasdoacoes.org.br – organizado pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos(ABCR) – teremos a informação de que foi arrecadado a fantástica quantia de aproximadamente R$3,5 Bilhões junto a quase 151 mil doadores entre empresas e pessoa física para fazer frente às ações de combate ao Coronavírus.

As empresas foram os principais doadores, fazendo uma distribuição por setores econômicos fica da seguinte a forma:

Origem dos Doadores Valor (R$) Percentual da doação em relação ao total arrecadado Relação Doação X Lucro
Sistema Financeiro 1.623.256.333,00 49% 1,64%
Mineração 534.635.000,00 16% 0,53%
Alimentação e Bebidas 234.273.000,00 7% 0,47%
Saúde 116.107.000,00 3% 0,50%
Energia 99.900.000,00 3% 0,52%
Comercio Eletrônico 97.000.000,00 3% 0,20%
Celulose 51.310.000,00 2% 0,05%
Cosméticos 50.200.000,00 2% 0,09%

Fonte: ABCR/Fleides Lima Abril/2020

Os setores econômicos descritos acima tiveramcrescimentos interessantes em 2019. O sistema financeiro cresceu 19%, o setor de minério teve crescimento financeiro na ordem de 39,2%, o setor de saúde teve crescimento de 21,6% acumulado entre 2016 e 2019.

Essas empresas doaram valores altíssimos do ponto de vista do cidadão(ã) comum brasileiro ou micro e pequenas empresas. Mas temos que considerar que o mercado é concentrado, e essas empresas vem lucrando valores exorbitantes com retorno social questionável.

No sistema de leis tributárias no Brasil é permitido às empresas deduzirem do Imposto de Renda até 3% do lucro liquido. Então, essas ações solidárias dessas empresas poderão ser incluídas nessa vantagem tributária, deixando assim o de arrecadar. Podemos, então, concluir que na verdade é o contribuinte brasileiro que está pagando essas doações.

As empresas fazem uma ação midiática, com grande apelo solidário, mas não estão agindo de acordo com a real capacidade que seus fluxos de caixa permitem. Ação solidária, de verdade, seria se estivesse acima do limite de 3% dedutíveis do Imposto de Renda. Nesse sentido, essas empresas estão com o mesmo comportamento da história bíblica relatada no inicio deste artigo.

Com as doações essas empresas agregam valor às suas marcas, seus papéis da Bolsa de Valores são valorizados, tornando assim essa ação solidária lucrativa no longo prazo (pois as maiores doações estão concentradas nas empresas com papeis negociadas na Bolsa de Valores).

O capitalismo cria esses modelos de ação solidária, com uma filantropia questionável se aproveitando das condições desfavoráveis do serviço público na saúde por conta de baixo investimento estrutural e em gestão de pessoas, por conta de alocação de recursos para pagamento da dívida pública.

O ex-ministro da saúde, Nelson Mandetta, teve a ousadia de se vangloriar de em 2019 ter diminuído os investimentos em saúde, querendo demonstrar uma falsa eficiência de gestão, mas sabemos que se tivesse ocorrido os investimentos de forma cidadã e honesta, teríamos abreviado o sofrimento da população não somente nessa pandemia, mas nas necessidades correntes.

Não se deixe enganar: o capitalismo usa um altruísmo com a perspectiva de investimento, esperando um retorno na relação 3 por 1.

Fleides Lima é professor de Economia e Gestão no Instituto Federal de São Paulo, campus Capivari.

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