A palavra martírio significa testemunho. O mártir é aquele que foi brutalmente assassinado por ousar se levantar em defesa da justiça, da verdade, do direito. O mártir é aquele que, com a coragem da verdade, com a coerência e a força de quem fala em nome do direito, dá testemunho, arriscando a própria vida, da causa da justiça. Esse é o caso do que aconteceu com o jornalista Dom Phillips e com o indigenista Bruno Pereira, martirizados por defenderem a Amazônia e seus povos tradicionais.

Em nome de um projeto civilizatório, de uma elevada visão de mundo, de um ideal profundamente ético, o mártir ergue sua voz, na denúncia de tantas formas de injustiça e exploração e no anúncio de que outra realidade é possível, em uma sociabilidade renovada, tendo como alicerce a justiça e o direito. O mártir antes sonhou e cultivou, com sua forma de viver, a utopia do florescimento da vida, em um tempo de plena liberdade.

O grito daqueles que dão testemunho da verdade é sempre ensurdecedor, mesmo que os donos do poder finjam não o escutar. Pela contundência e verdade da denúncia que faz, o mártir aparece primeiro como um empecilho, uma ameaça aos planos dos violentos, dos usurpadores de liberdade, daqueles que colocam a ganância por ganhos materiais acima da dignidade humana e da preservação do meio ambiente. Os violentos não encontram limites, instauram a barbárie, a política da morte, impondo-se por meio da força mais brutal, que ceifa vidas e sonhos.

Novos mártires na defesa dos povos tradicionais e da floresta! Dom Phillips foi um jornalista inglês, que atuando como correspondente internacional, passou a conhecer e amar a Amazônia. Bruno Araújo Pereira era um servidor de carreira da Fundação Nacional do Índio (Funai), indigenista, que militava na defesa dos povos indígenas. Ambos, imbuídos da mais destemida coragem, levantaram-se contra a política da morte, que produz degradação ambiental, usurpação de terras indígenas e extermínio dos povos tradicionais. Por darem testemunho da verdade, defendendo a justiça e o direito, foram covardemente assassinados.

Chega de mártires! Nosso país tem uma longa e perversa história de calar, por meio de assassinatos brutais, aqueles que erguem a voz em defesa da floresta, dos povos originários, dos direitos humanos. São muitos mártires, em uma história marcada pelo extermínio das populações indígenas, pela escravidão, pela perpetuação do racismo, pela pobreza, pela exploração do trabalho, pelas múltiplas formas de opressão, pela negação dos direitos fundamentais e pela devastação ambiental. A memória daqueles que deram testemunho da justiça e do direito, com a própria vida, é fonte fecunda de inspiração para a resistência e para a luta. Mas não se pode aceitar o estado de violência, essa necropolítica, que só produz pobreza e morte.

O sangue dos mártires clama por justiça! É tempo de retirar o poder dos violentos, dos que legitimam a destruição das florestas, o genocídio dos povos indígenas, a violação dos direitos humanos. A politica neofacista é a chancela para que o mal, a barbárie tome conta do cotidiano e do processo histórico, trazendo desilusão, tristeza e desolação para o povo brasileiro. A resistência poderá vir das urnas, como também de uma revolução no modo de sentir e agir da sociedade, que, consternada, protagonizará um movimento a repensar práticas emancipadoras e solidárias, recolando o Brasil, a partir da afirmação dos direitos humanos, do afeto pela floresta, por seus povos e incrível cultura, na centralidade do mundo.

 

 

 

 

Prof. Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal, campus Piracicaba. Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião.

adelino.oliveira@ifsp.edu.br

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