Vacinação, transparência e planejamento em Piracicaba

Vacinação, transparência e planejamento em Piracicaba

O início da vacinação no Brasil, ainda que de forma tardia, reduzida e com pouco planejamento, enche a todos de esperança de que se possa enfim avançar no enfrentamento efetivo da pandemia do Coronavírus.

Tendo em vista a quantidade reduzida de vacinas disponíveis, pelo menos a curto e médio prazos, é fundamental que a imunização seja organizada a partir de critérios científicos e técnicos, sob coordenação centralizada da Secretaria Municipal de Saúde e com absoluta transparência dos critérios utilizados para a organização do calendário com os diversos grupos contemplados.

A falta de transparência sobre o processo de vacinação pode levar a graves distorções, injustiças e mesmo desconfiança. Neste contexto, aquilo que poderia ser sinal máximo de isonomia, cidadania e motivação, ao contrário, poderá resultar em um quadro de frustrações pessoais e com as autoridades públicas, desmotivações, flagrantes abusos de toda ordem, consagrando o “fura-fila” e o condenável “jeitinho brasileiro” no pior sentido que se possa atribuir ao termo.

Em Piracicaba, os primeiros movimentos da administração municipal são preocupantes, pois:

a) Na primeira ação mais abrangente de vacinação, um drive-thru realizado no Shopping Piracicaba no último dia 6 de fevereiro, um sábado, idosos com mais de 90 anos foram posicionados ao lado de profissionais de saúde de diversas formações e níveis de atuação, numa iniciativa que provocou uma enorme fila de automóveis e espera na casa de quase quatro horas para atendimento.

b) Na continuidade desta etapa, que inclui idosos acima de 90 anos e profissionais de saúde, a vacinação foi concentrada em apenas três dias, com horário reduzido de atendimento, e em apenas 15 pontos para imunização, cinco postos destinados aos idosos (três UBSs e dois CRAs) e dez postos (unidades da rede farmacêutica Drogal) aos profissionais de saúde.

c) A opção pelo uso de unidades de uma rede particular de farmácias, ainda que tenha suas raízes assentadas em nossa cidade, pode suscitar uma série de questionamentos como, por exemplo, por que essa rede e não outra, qual a impossibilidade de se vacinar em unidades públicas de saúde, entre outros.

Todas essas ponderações ocorrem principalmente por que que são escassas as informações divulgadas pela gestão pública sobre a vacinação na cidade. Deveriam estar públicos e acessíveis a todos informações como: Qual a quantidade de vacinas que a cidade recebeu? Qual a estimativa em número de idosos, por faixas etárias, a serem contemplados nas primeiras etapas? Qual a estimativa de profissionais de saúde a serem vacinados, divididos por atividade profissional, formação e justificativa da necessidade efetiva de vacinação nesta primeira etapa?

Uma forma de garantir mais transparência neste momento seria publicar, em um repositório acessível ao conjunto da população, todos os dados da vacinação, a cada dia, com identificação da quantidade de vacinas aplicadas em pessoas de cada idade e, no caso dos profissionais de saúde, a formação e local de atuação. Hoje existem ferramentas técnicas que permitiriam essa iniciativa sem grande esforço adicional do Poder Público.

Pode parecer exagero, mas transparência nunca é demais quando se trata de recursos públicos, especialmente neste caso de um recurso tão escasso e fundamental. A busca e o aperfeiçoamento da transparência visam, antes de tudo, sinalizar para novos tempos em Piracicaba e, eventualmente, inibir oportunismos indecorosos, decorrentes de nosso processo escravocrata de formação histórica.

Neste contexto, a existência de um Plano Municipal de Imunização, aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde, e a divulgação efetiva de números e perfil dos vacinados, são condições que garantiriam mais segurança a todos de que o Poder Público está agindo de forma republicana e colocando a saúde e a vida da população como prioridade.

É imperioso constatar que essa falta de instrumentos efetivos de controle e transparência, assim como a adoção de critérios e metodologias universais, aplicáveis a todo o país, é decorrência da falta de coordenação do combate à pandemia por parte do Governo Federal. Ao repassar essa responsabilidade aos entes federados, sem um nível mínimo de exigências, o Governo Federal estimula a cultura do “fura-fila”, que pode ter resultados dramáticos tendo em vista a gravidade da pandemia e de sua incidência sobre a vida dos brasileiros.

Espera-se que a nova administração municipal, os vereadores e aos membros do Conselho Municipal de Saúde atentem para o problema e criem condições para ampliar significativamente o nível de transparência em relação à vacinação no município. Da mesma forma, a expectativa é para que as demais etapas da imunização sejam planejadas com o envolvimento da comunidade e assim se garanta previsibilidade e segurança aos piracicabanos.

* Ipedd (Instituto Piracicabano de Estudos e Defesa da Democracia)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *