Um Grito Preso na Garganta

Um Grito Preso na Garganta

Contexto de uma pandemia que parece não ter fim, vivemos hoje momentos de trevas, provindos da mudança repentina de costumes a que fomos submetidos pela pandemia, o autoritarismo expresso e desavergonhado na esfera pública, aumento da desigualdade social gerando pobreza, desmandos e desrespeito aos direitos humanos, agravados ainda pelo enfraquecimento das instituições estabelecidas. Curiosamente, aprendemos a aceitar e conviver pacificamente com tudo isso, sem darmos conta do caos que se aproxima. Enquanto isso, enterramos nossos entes queridos, mortos por descaso do governo federal, e contabilizamos uma regressão de cinquenta anos. Se hoje, ainda, não somos capazes de explicar essa passividade, certamente, estudiosos do futuro explicarão esse momento com maior clareza – entretanto, quem aprecia boas leituras pode, desde já, fazer algumas conclusões.

A população ativa do país é formada, em sua maioria, por filhos e netos daqueles que foram doutrinados e ou subjugados pela ditadura militar, cujo período, a bem da verdade, não pode ser considerado “governos militares” – como querem alguns –, já que um grupo uniformizado tomou o poder de assalto, treinando agentes com dinheiro público para torturar, perseguir e prender sem processo legal – formando assim o que deveria ser reconhecido como “estado Terrorista”, cujas referências podem ser encontradas nos livros de Élio Gaspari (ditadura envergonhada, ditadura escancarada, ditadura derrotada etc.), Comissão da Verdade e no livro de Marcelo Rubens Paiva (Eu ainda estou aqui), além de outras obras reconhecidas.

Na ocasião, a repressão na rua ocupava-se a perseguir, torturar e prender opositores do regime e calar jornalistas, para que nada fosse noticiado, enquanto que nas escolas promovia-se a doutrinação através da promoção de heróis, deixando como legado torturadores e figuras desprezíveis como Borba Gato nomeando ruas, avenidas, praças e rodovias. Exemplo ilustrativo é o quadro da Independência que popularizou Dom Pedro I empunhando a espada e declarando ao mundo o grito da Independência. Essa imagem ilustrava os livros antigos de história objetivando a formação da consciência coletiva. Hoje, porém, basta uma leitura no livro 1822, Laurentino Gomes, para certificarmos que o quadro acima citado foi produzido pelo pintor Pedro Américo meio século posterior ao 7 de setembro de 1822. Importante frisar, inclusive, que em 1822 o Brasil não produzia cavalos e Dom Pedro I, segundo relatos de testemunhas da época, registrados em cartas, montando a mula declarou a poucas pessoas que o acompanhava que estava formalizando a Independência do Brasil, depois de ter recebido mensageiros que o alertaram que poderia ser destituído.

Até mesmo o Hino Nacional e as cores verde e amarela – símbolos, hoje, apropriados pela extrema direita fascista – não tem a origem e a representação as quais fomos induzidos a acreditar. Quem tiver curiosidade, pode fazer uma leitura (páginas 315 a 322 – do livro 1889, também de Laurentino Gomes), para certificar que o hino Nacional Brasileiro na verdade é o mesmo hino cantado pela elite imperialista do Brasil Colônia, para exaltar o império e as suas conquistas, acrescentado apenas, posteriormente a letra feita por Joaquim Osório Duque Estrada. Esta foi uma exigência da população da época, quando se cogitou fazer um outro hino, que até foi feito mediante concurso, mas depois passou a ser considerado, oportunamente o hino da República. Da mesma forma as cores verde e amarelo eram representativas da coroa portuguesa.

Feitas essas considerações, pode-se dizer que o gesto de Dom Pedro I deu sim um importante passo para a aquisição da nossa Independência e a busca de nossa identidade como nação. Relatam ainda os livros de Laurentino Gomes, inclusive, que o gesto de Dom Pedro I que resultou na proclamação da Independência às margens do Rio Ipiranga, foi precedido de uma dificuldade intestinal que provocou diversas interrupções da viagem motivadas por suas necessidades fisiológicas e foi exatamente num intervalo dessas interrupções que a nossa Independência foi enfim proclamada.

Como a vida é feita também de símbolos, quem sabe o 7 de setembro de 2021 tenha sido o intervalo de uma besteira que fizemos elegendo uma pessoa inoperante para ocupar presidência da República, e seja este o marco de um novo país em busca da cidadania plena, com desenvolvimento sustentável, pluralidade, onde a maioria seja feita por minoria, respeitando-se identidades – um grito preso na garganta.

 


 

Gilmair Ribeiro da Silva é professor de Língua Portuguesa da Rede Pública do Estado de São Paulo, autor do livro de poesia: Os Muros e o Silêncio da Cidade (Clube dos Autores), PARTICIPANTE das Coletâneas de Poesias “Quarenta Poética”, organizada por Nirlei Maria de Oliveira, trilogia “Retalhos” organizado por Ana Elicker, e o livro de contos Vozes da Margem (editora Alpheratz, em parceria com a Sociedade Morro do Castelo) Da coletânea de Poesia – Livro Quarentena Poética.

 

(foto de capa: cartaz do “Grito dos Excluídos”).

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