Tempo Mágico – por Ivana Negri

Infância é a época da magia. Todos os sentidos estão atentos, apurados, captando odores, sabores, sons e imagens com precisão.

É o tempo de extasiar-se com as pequenas coisas, observar molengas lagartas em seu andar sinuoso, vê-las transformarem-se em coloridas borboletas, ouvir enlevados o cantar dos pássaros, ver o desabrochar das flores na primavera, descobrir aquele ninho entre a folhagem do jardim que nenhum adulto soube enxergar. Pegar um tatu-bolinha nas mãos e admirar-se como ele vira uma esfera perfeita e depois se estica e continua a caminhar com suas inúmeras perninhas. Também constatar com a ávida curiosidade infantil, a capacidade da lagartixa de perder o rabo e nascer outro igualzinho em seu lugar. É tempo de amar os animais, sem limites. Dormir com eles, conversar com o cachorro, com o passarinho, com o gato, e o mais mágico: compreender a linguagem deles!

É o tempo de maravilhar-se com a lua, imaginar que existe lá um dragão que cospe fogo, arrebatar-se diante da visão das estrelas, como o Pequeno Príncipe, sentir o perfume inebriante das flores e perceber tudo o que acontece em seus mínimos detalhes.

Pena que a infância é curta e o adulto logo se instala. E as responsabilidades, a competição, o trabalho ininterrupto, os mestrados, doutorados, a corrida extenuante para ganhar dinheiro, acabam matando a criança e seus sonhos. Não mais observar lagartas nem lagartixas, nem estrelas, nem brincar. É preciso levar a existência a sério.

Mas a vida é tudo o que acontece enquanto os adultos ficam se degladiando na política e trabalhando duro para ganhar dinheiro em locais fechados, escuros, com ar condicionado ligado ininterruptamente, ressecando o nariz, a pele, a garganta e embotando os sentidos.

E chegam os brindes: estresse, depressão, cansaço, desânimo, insônia, taquicardia, escravidão do relógio, corrida contra o tempo para dar conta dos compromissos. E a informática, soberana, reinando e ocupando todas as horas. Por que na infância o tempo parece caminhar e na vida adulta ele dispara? Por que o adulto tem falta de tempo crônica e na infância há tempo de sobra?

Não importa se a criança é rica, pobre, negra, branca, se tem brinquedos importados ou um caminhãozinho de papelão. A magia é a mesma porque está dentro dela. É lá no íntimo de seu ser que ela constrói castelos e passa a habitá-los. É no seu interior que semeia florestas habitadas por bruxas, duendes e fadas, e onde vivencia seus dias de rei, princesa, super-herói e a imaginação cria as mais belas histórias. Já adultos, perdemos a capacidade de nos encantarmos com as singelezas da vida, com as coisas corriqueiras e maravilhosas que nos dão a alegria mais pura, que dinheiro algum pode comprar.

Quando se chega ao outono da vida, percebe-se que muita coisa foi em vão e nem valeu a pena, essa corrida maluca por bens materiais, por posição, sucesso e poder. É quando a vida, sempre ela, nos dá de presente os netos, cloninhos dos nossos filhos, para amarmos sem restrições. E então percebemos que aos avós tudo é permitido, até virar criança de novo! E retorna-se aos tempos mágicos da infância! Tomar sorvete, comer pipoca e chocolate, sem pensar em dieta, sem se importar com os números que marcam os ponteiros do relógio. Rolar no chão e reencontrar as lagartas, tatus-bolinha e ninhos, com a mesma surpresa e arrebatamento dos tempos da infância.

E voltamos a construir castelos, florestas e arco-íris brilhantes dentro de nós…

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A autora:

Ivana Maria França de Negri é escritora. Premiada em diversos concursos literários, mantém o seu “Bloguinho Infantil”: http://bloguinhoinfantil.blogspot.com/

18 thoughts on “Tempo Mágico – por Ivana Negri

  1. Ivana, você me remeteu à minha infância. Mexer na terra, coisa que hoje não faço. Meus filhos ainda tiveram um pouco na casa de meus pais. Mas,mas meu neto, que ama os animais, não tem essa experiência. Todos enfurnados em apartamentos, sem terra para encontrar tatu-bolinha e lagartixas.Saudade de um grande quintal, cheio de aventuras reais e imaginárias. O medo toma conta de nós e nos faz ficar meio enjaulados. Pena, que não posso oferecer a meu neto a infância que tive. Um afetuoso abraço Maria José Soares

  2. Mi querida Ivana, qué será del mundo cuando no existan personas con sensibilidad, fantacía y deseos de compartirlos? Adoré tu escrito, me trasladó al pueblito simple en el que nací donde carecíamos de energía eléctrica, agua potable, carreteras etc. Pero a cambio teníamos lunas, ríos de aguas cristalinas y nos transportábamos en caballos. Adoré tus sentimientos tiernos de abuela y la ternura que muestras en narrar tus juegos con ellas. Yo soy bisabuela y conozco la intensidad de esos amores. Continúa alegrando nuestros corazones con tus publicaciones, estaré pendiente para saborearlos.

  3. Que linda !! Voltar a ser criança, ou melhor, soltar nossa criança é imperativo nos dias atribulados de hoje para termos, ao menos, um pouco de alegria sincera, desprovida das máscaras sociais que nos aprisionam. Obrigada por lembrar-nos desse tempo mágico. Parabéns por sua sensibilidade em perceber esta magia. Abs,
    Christina

    1. Obrigada Christina, diretora da Escola Catharina Casale Padovani! Você é uma daquelas pessoas abençoadas que não medem esforços para formar cidadãos capazes de mudar o mundo. Parabéns pelo dia do professor amanhã!
      abrs

  4. Ai, Ivana, como vc. disse, manter a MAGIA VIVA dentro de nós é o que importa.Mesmo sendo adultos, ela nos remete e nos faz crianças sempre. Lindo seu texto.Amei. Bjs

  5. Belo mesmo o seu texto e uma excelente oportunidade para lembrarmos das crianças que estão perdendo toda a magia da infância aprisionadas pelas drogas, pela violência, pela falta de amor.
    Que possamos resgatar não apenas a nossa infância, mas todas as infâncias,sem exceção.
    Parabéns pelo seu trabalho tão rico em sentimentos!

  6. Oi Ivana.
    Sua crônica atingiu aquele cantinho da alma, onde ficam guardadinhas as lembranças doces dos tempos idos… de quando deitávamos na grama para imaginar bichinhos nas nuvens… ou fechar a mão na tentativa de prender um besouro e ficarmos surpresos porque ele sempre saia por um dos lados… Que bom que ainda convivemos com crianças que nos fazem retornar no tempo.. que bom que há adultos que não deixam essas lembranças se apagarem!!

    Um beijo na alma!

    Elder

  7. Gostei muito do seu texto.Parabéns!Criança é tudo de bom,é amor.Na era em que nos
    encontramos,da inclusão social,devemos nos espelhar nas crianças,já que as
    idiossincrasias da sociedade são transmitidas aos pequeninos,por nós,os adultos.

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