“Teje Preso”!

“Teje Preso”!

O título deste relato faz referência ao jargão policial utilizado em abordagens pelos homens da “puliça” – e também homenageia Chico Anísio em seu livro com título homônimo de 1975. Alguém se lembra de Stanislaw Ponte Preta, persona literária e humorística criada pelo escritor e jornalista Sérgio Porto, do jornal “Última Hora”? Em seus textos, fazia crítica ferrenha ao Regime Militar e não era raro aparecer tal expressão em abordagens truculentas dos homens da lei naquele momento de nossa História. Suas crônicas humorísticas eram um instrumento de compreensão da realidade política para satirizar também os “pequenos poderes”. Não tenho tal pretensão ao registrar o fato que logo contarei, caro leitor, mas que a homenagem a esses escritores é pertinente nesse fato, ah, isso é !Teje presa, então, sua atenção.

Luis acordou cedinho, tinha muito a fazer naquele dia, buscar o ajudante para passar o adubo no pasto, esperar o trator do Arlindo, dar milho para o cavalo que já o esperava na cerca. Dezesseis quilômetros de estrada de terra o esperavam até Tabela ou Santa Luzia, bairro nas cercanias de Charqueada. Opa! Chuva boa, para jogar adubo, mas estrada ruim…lama, poças d’água de lavar o carro embaixo e em cima. Mas ele foi e Dimael, o ajudante madrugadeiro já o esperava no bairro com suas tralhas de trabalho. Dezesseis quilômetros na mesma estrada para voltar. Aos quase catorze percorridos, o carro parou…puf! Assim, do nada. Descem os dois homens na chuva, tentando fazer o carro pegar no tranco, empurra, patina e nada. O Sandero estava mortinho. Melhor ligar para a companhia de Seguro, pedir um guincho e voltar para o sítio a pé, o serviço do dia não podia atrasar. E lá foram eles pela estrada lamacenta, deixando o carro ao relento na poeira, oops, na lama.

Espera que espera o caminhão do guincho. De Piracicaba ao sítio são quarenta quilômetros bem rodados entre asfalto e terra, naquele dia, alagada. O motorista do caminhão se perdeu (leitores amigos, quem nunca?) nas curvas e subidas e descidas e buracos e poças e quando conseguiu conexão pelo celular para falar com Luís, estava bem alterado e sendo sincera, bem grosseiro. Mas, enfim, conseguiu chegar até onde jazia o carro. Preparou o guincho, resmungando e quando conseguiu colocar o veículo sobre o caminhão…surpresa! Eis que aparece um gol vermelho com dois homens que descem, levantando a blusa e mostrando a arma, dizendo: “Onde você pensa que vai com esse carro?”, desafiando o motorista do guincho. O homem bronco, respondeu rispidamente que estava fazendo seu trabalho de rebocar o carro parado e eles que esperassem, pensando tratar-se de alguém que queria passagem. Luís assistia surpreso ao bate boca, quando o segundo homem perguntou-lhe : “Qual o seu nome?” Respondeu de pronto e o outro foi conferir em uns papéis que trazia nas mãos. “Ah, você é o marido da proprietária do carro! Tudo certo, então.” Por pouco, não ouviu o “Teje preso” por, supostamente, furtar o carro da esposa. Situação inusitada e hilária.

Feitas as explicações – alguém passou por ali, tirou foto da placa do carro, encaminhou para a Polícia Civil e vieram os tais homens da Lei verificar a ocorrência do caso. Pela placa identificaram a propriedade do carro, ficha completa minha com foto, local de residência e trabalho, tudo muito correto, inclusive com o nome do meu marido, a vítima (ou acusado) nesse caso. Ufa, que susto! Eu estava trabalhando na escola em Piracicaba e nem sequer fui notificada deste possível furto do meu carro – kkkkk – ainda bem, já pensaram na minha cara de sem saber de nada?

Os investigadores levaram meu marido de volta ao sítio, o guincho veio para Piracicaba e tudo acabou bem. Os rapazesda “puliça” colocaram-se à disposição, caso necessitemos de seus prestimosos serviços de segurança rural. Eu adorei a história e não poderia deixar de registrá-la para vocês, caros leitores, para desfrutarem desse incidente onde os “pequenos poderes” ainda estão presentes, mesmo com tanta tecnologia a serviço da nossa segurança pública. Obrigada pela presteza, senhores investigadores. Da próxima vez que vierem ao sítio São João, quando o caos da pandemia passar, são nossos convidados para um bolo com café da roça ou um churrasquinho com cerveja. Tejem presos na hospitalidade do campo.

 

 

 

 

 

 

Christina Negro é mestre em Educação pela UNIMEP, diretora de escola, contadora de histórias, avó e gosta de escrever crônicas e contos.

 


 

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