São Brecht que NÃO estais no céu – graças a Deus! – olhai por nós que rogamos a vós! Rogai por nós, pois primeiro nos levaram os cinemas da cidade. Mas as pessoas não eram mesmo muito assim-assim com os cinemas locais. Tiffany. Rivoli. Parecia nome de motel – e motel é coisa do demo (ô, coisa boa!). Então, fecharam os cinemas e botaram uma igreja onde antes arte havia. São Brecht, Brecht! Primeiro levaram os cinemas, mas as pessoas não eram mesmo muito de cinema, mais rende nesses espaços passar a sacolinha. Agora, quem quer ir ao cinema para encontrar o diabo nas telas demoníacas dos condenados ao fogo eterno tem de ir a um shopping! Santo Brecht! Já pensou? A um shopping! Rogai por nós, São Brecht, que recorremos a vós!
Depois, fecharam o Teatro Municipal, São Brecht, o teatro! Titanic encalhado juntando poeira em plena avenida central – vivendo o milagre de uma reforma que nunca termina (nunca!) e sempre o deixa pior. Ai, meu santo! Agora, São Brecht, temos um teatro com fosso de ópera que mais parece uma fossa. Que fossa, São Brecht! Que fossa vivemos! Mas as pessoas não são muito de teatro, mesmo. Não é com elas. Que afunde o Titanic da Armando de Salles e com ele a sua história, com ele as deusas e os deuses da arte de Dioniso que por ali passaram encantando dramas. Que drama, São Brecht! Que drama! Qualquer dia o Losso Netto vira o Politeama – lembra dele, São Brecht? Lembra do Broadway, do Teatro Santo Estevão? Não? As pessoas não são de teatro ou de cinema mesmo, né? – nem são coveiras, tá ok? – isso não é com elas.
Agora, até escola de música de renome internacional também virou repartição de igreja – São Brecht! Mais uma igreja nesta cidade do cão! Olhai por nós, São Brecht, olhai por mim e me leve ao fogo do inferno – que eu não aguento mais tanta igreja, não! Santa cidade do demo! Haja tanto pecado para alimentar a sanha de tanta pregação. No lugar de Beethoven e Mozart, a oração! Não mais Villa Lobos e Ernst Mahle, não mais orquestras e coros que para tanto não há dinheiro. Mas para o culto há espaço: pode ser no salão, na sala de concertos, no estacionamento! Viva o culto! Viva o curto pensamento! Vivo eu, oculto, no momento, São Brecht! São Brecht! Me tirai deste tormento! Mas as pessoas não são muito da música mesmo, isso não é com elas. Quem se importa? Abram a porta que é hora da fé, e fé demais não cheira bem – eita, sofrimento!
E como pior do que está sempre fica – contrariando o que pregava o palhaço deputado Tiririca – em breve não teremos mais por aqui nem biblioteca, nem pinacoteca, nem nada. Viva a cultura de beira de estrada! Eita, cidade condenada do demo! Sabe, são Brecht, andam dizendo por aí que há um projeto tinhoso (digo, grandioso, grandioso…) que quer fazer do prédio da biblioteca uma secretaria municipal. Veja que ideia genial! Para que biblioteca? – perguntam os que agora mandam – ninguém a frequenta mesmo! As pessoas não são assim-assim com bibliotecas. Ler dá dor nos olhos e bota caraminholas na cabeça. Bota lá a biblioteca num barracão do Engenho e pronto – diz que é um projeto de ponta e não conta que é só pura ostentação. São Brecht, do meu coração! Não os perdoai, porque eles sabem muito bem o que fazem. A pinacoteca, ao que parece, vai para o mesmo caminho, santo da minha incerteza. A pinacoteca, pelo que dizem, vai virar sede de polícia (mas fique tranquilo que, se não der certo, depois a gente vende para alguma igreja). Afinal, as pessoas não são mesmo de ver quadros. Nem tem público que frequente a pinacoteca! Ao diabo seja!
Um dia, São Brecht da santa atuação, um dia vai chegar que nada mais vai restar nesta Vila Nova da (In)constituição. Tu já nos ensinastes, não? Que quando vierem nos buscar, ninguém vai mais restar para salvar a gente, então. Sábio e (nada) santo Brecht – meu pai e irmão. Nos salvai enquanto ainda resta (pouco) tempo. Mas se você também não puder fazer nada, tudo bem, que assim seja. Já estamos acostumados. Que por aqui, quem entra para carregar o andor sempre consegue fazer pior que o anterior. É praxe, acho. No fim, Brecht meu Santo, sem espanto acho mesmo que vou vender minha violinha, parar de falar em livros e abrir uma lojinha (no shopping) ou um barzinho (no novo complexo – de Édipo – do Engenho). Ou melhor! Grande ideia, meu santo! Obrigado! Agora tenho certeza! Nesta terra onde tudo para, o melhor a fazer é, mesmo, abrir uma igreja!
Alê Bragion é editor do Diário do Engenho.
Crônica publicada também em “A Tribuna Piracicabana” desta quinta-feira, 10/06/21.
Bravo!
Muito bom! E muito bem!