Salve, Leão XIV! Um Papa para um Mundo em Crise

Salve, Leão XIV! Um Papa para um Mundo em Crise

Para a sociedade do espetáculo, até mesmo a sucessão de um papa vira um grande show midiático. Quando tudo é entendido como um grande show apoteótico, as redes sociais e a própria mídia tradicional procuram explorar, até o limite da exaustão, o processo de escolha do novo Papa, reduzindo tudo ao instante do melhor flash. Interessante perceber que, na sociedade do efêmero, a própria passagem do Papa anterior – mesmo que seja um Papa da estatura de Francisco – já é logo obliterada pelo Conclave. Todas as atenções e expectativas agora se voltam para a cor da fumaça que sairá da singela chaminé da Capela Sistina.

Entre a morte de um Papa e a escolha de um novo Sumo Pontífice, os peritos na Igreja Católica são, então, chamados em causa. É a oportunidade única de teólogos e cientistas da religião desfilaram com seus saberes, que no cotidiano social são simplesmente ignorados. Todos querem demonstrar erudição sobre a longa tradição da Igreja e trazer à tona alguma curiosidade ou peculiaridade pouco conhecida, revelando uma intimidade singular com o tema. Se, no decurso de uma entrevista, o estudioso da tradição assumir um tom muito professoral, na intensão de dizer algo com mais profundidade, logo será interrompido, pois o que se busca é tão somente entreter os telespectadores e internautas. Nesta lógica, os símbolos e ritos da tradição Católica podem aparecem apenas como algo exótico e extemporâneo. A dimensão mais teológica do lugar do Papa, no contexto da longa tradição da Igreja Católica, faz pouco sentido para um mundo perdido, voltado apenas para o que é imediato e superficial.

Neste ambiente cultural, um Papa de origem estadunidense, cardeal Robert Francis Prevost, nascido em Chicago, pode suscitar muitas análises e ponderações. No geral, a Igreja Católica nos Estados Unidos não é conhecida por suas posturas mais progressistas. No entanto, chama muita atenção a trajetória pastoral de Cardeal Prevost, que exerceu grande parte de seu ministério na América Latina, trabalhando por 20 anos no Peru. Oxalá este vínculo estreito com a realidade do Peru, ao ponto de alcançar a condição de cidadão peruano, também represente o seu compromisso com a utopia latino-americana da Pachamana.

A escolha do nome de missão como Leão XIV também guarda significativa representação e simbologia. Em tempos tão duros, com tantos desvios, um Papa com a força, coragem e determinação do Leão, que se levante em defesa do cristianismo, voltando às fontes sagradas do movimento de Jesus, pode exercer um papel histórico fundamental. Mas para tanto, em continuidade com o legado deixado por Papa Francisco, o Leão precisa se distanciar dos valores da realeza. Que o novo Papa, então, faça-se um Leão sem juba, quer dizer, sem coroa nem súditos, pronto para servir o povo de Deus, na mais profunda comunhão com a natureza.

Sinais dos tempos!O fato é que os cardeais, reunidos em Conclave, ousaram fazer Papa um cidadão de Chicago, a cidade do crime, que traduz todas as mazelas do mundo contemporâneo. Escolheram, ainda, um Papa peruano, que carrega todas as dores dacolonização. Optaram por um Papa da Ordem dos Agostinianos, da tradição do grande filósofo Agostinho, que nasceu em Tagaste e foi Bispo em Hipona, no norte da África. Santo Agostinho, com sua sabedoria de filósofo, defendeu a fé cristã em um ambiente de muitos desvios doutrinais e no contexto da queda do Império Romana. Oxalá Papa Leão XIV faça sua voz rugir contra todas as formas de opressão e exploração, anunciando o tempo da Cidade de Deus.

 


Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo.

 

 

Foto: Narcin Mazur/cbcew.org.uk

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