Atendi a campainha à porta de casa e o cara foi gritando:
– Você quer um saco alvejado?
Levei um susto, naturalmente, fazendo um gesto de auto defesa (coloquei as mãos sobre o baixo ventre) porque não sabia se se tratava de um assalto, de uma brincadeira ou do que quer que fosse.
Passados uns instantes, vi que a criatura que supostamente ameaçava me infligir terrível mal, ou seja, alvejar-me (n)o saco, apenas queria que eu adquirisse uns sacos de algodão, bem alvos, por módico preço, a fim de serem utilizados na limpeza doméstica ou algo assim.
Muito prosaico, pensei eu aliviado.E que confusão mesmo essa língua portuguesa!
Mas de fato, anos passados aqui em Piracicaba (e acho que também em outras cidades do interior paulista), era comum vendedores ambulantes, batendo de porta em porta, oferecendo esse tipo de produto (eram os desempregados da época).
Modernamente, tenho sido abordado com a mesma proposta nos semáforos de Piracicaba, o que me remete à fala do ator Benvindo Sequeira, em seu canal no Youtube, em que dizia, dia desses, que na visão dos modernos capitalistas tais criaturas são os novos “empresários” de que tanto se falam e se orgulham ao apontá-los como fruto do desenvolvimento espetacular promovido pela neo-economia. Lógico que o ator está a desdenhar humorística e ironicamente dos “neos” – dado o “nonsense” da ilação.
Realmente chamar um menino que oferece balas (doces) à venda no semáforo, de empresário, ou é fruto da insensibilidade humana ou escárnio do “neo” liberal. Ou, bem pensado, será quase sempre as duas coisas.
Naquele sentido, e se isso for verdade, além dos tradicionais vendedores de água, sacos alvejados, balas e doces, ou simples pedintes, tenho visto ultimamente outros grandes empreendedores nos semáforos – tais como artistas circenses que se apresentam como comedores de fogo, engolidores de espada, equilibristas, malabaristas (me lembra o comedor de giletes, do Ary Toledo) que depois pedem uma contribuição da plateia, formada por vezes por divertidos, por vezes atônitos e/ou por vezes contristados motoristas e acompanhantes que assistem comovidos à miséria de seu povo.
– Vai bala doutor?!
Cuidado! As vezes não é uma oferta. É um achaque. A carteira ou a vida!
Enfim, mendigos abrindo pequenas e micro-empresas (grandes negócios, segundo a TV Globo), negociando seu “ponto comercial”, vendendo seu “aviamento”, pagando impostos, adotando cartão de crédito e desfrutando de um feliz porvir graças à ideologia neoliberal.
Parece, enfim, que o problema é só de ponto de vista mesmo. Tá faltando apenas os óculos para enxergarmos esta nova e formidável realidade neoliberal em que não há miseráveis ou desempregados. Todos, “uberistas” inclusive, são apenas empreendedores – como os que esmolam ou vendem sacos alvejados.
Alexandre A. Gualazzi é advogado, ex-professor e doutor em direito.