Serei breve. Não fugirei do que, para mim, está se tornando inenarrável. Serei a voz daqueles que, por capricho e (talvez) sabedoria da natureza não têm voz. De maneira nenhuma, já me resguardando, afirmo que não sou apática ao sofrimento humano durante esta tormenta – mas já que somos inquilinos de um mudo multiespécie, sinto-me obrigada a não ser alheia a qualquer sofrimento.
Luto diariamente, em comunhão com um exército de pessoas (na maioria das vezes invisíveis), em nome de animais abandonados – grande parte deles filhos também da pandemia – errantes e vítimas de maus tratos. Afirmo que muitas vezes lutamos camuflados, pois sentimos o peso da incumbência transferida a nós de maneira desconhecida (românticos e deslumbrados definiriam nossa atuação como uma “nobre missão”). Trabalhamos para solucionar todos os tipos de caso, o daquele cão atropelado, daquele núcleo de gatos passando fome, daquele em que dois cães passam o tempo todo acorrentados… E eu poderia continuar este relato somente com exemplos casuais.
Muitas vezes, trabalhamos em surdina, inclusive para não nos serem transferidos – mais uma vez – novos casos, sendo que muitos animais (mesmo os que são resgatados) acabamos por não conseguir para eles um destino junto a uma nova família ou tutor. Esses animais, via de regra, vão para Organizações Não Governamentais (ONGs), para abrigos privados ou casas de protetores independentes que tiram de seus ordenados valores para alimentação e cuidados veterinários.
Assim, o cenário que estamos vivendo na cidade é o de um número crescente de abandonos (amplificado pela crise pandêmica e econômica que nos assola) – o que obriga a esses voluntários a abraçarem responsabilidades que não lhes são possíveis mais assumir – uma vez que estão esses voluntários vendo esgotarem-se todos os seus recursos financeiros e psicológicos enquanto esperam medidas efetivas do Poder Público Municipal, tais como projetos de castração em massa em bairros carentes, a criação de um abrigo municipal (digno) como lar de passagem para resgatados e trabalhos voltados para o marketing da cultura do ato de adoção e posse responsável.
Enquanto isso não acontece, permanecemos furtivos e trabalhando incessantemente, nos mostrando quando necessitamos de ajuda, permanecendo em pé nessa batalha, rogando para que o voluntariado consiga continuar a “enxugar o gelo” dessa situação e as lágrimas desses animais.
Por isso, e enquanto medidas efetivas de políticas públicas para os animais não acontecem de fato em nosso município, pedimos (novamente) a colaboração voluntária de todos e todas. Procurem ajudar a uma ONG, procurem colaborar com cuidadores e cuidadoras que você conheça, engajem-se a essa causa, ajudem aos animas que necessitam. A olhos vistos, eles se avoluma pela urbe em sofrimento visível à espera – solitária e frágil – de qualquer tipo de cuidado e proteção.
Todos e todas precisam fazer a sua parte.
Letícia Penteado Gaspar é médica veterinária.
(Foto de capa: André Santos PMU)