“Per aspera ad astra”. Ou: Por ásperos caminhos chegaremos lá!

“Per aspera ad astra”. Ou: Por ásperos caminhos chegaremos lá!

Certo dia, um grande amigo e irmão me perguntou se eu estava bem. Quem disser que está plenamente bem nesse pandemônio ou é santo ou alienado ou doido. Como Raul, “prefiro ser uma metamorfose ambulante”. Em tempos de crise como vivemos hoje, temos que ver alternativas para sermos como “highlanders em Hogwarts”, matando o leão diário de cada dia com nossa força interior, em busca da sobrevivência, principalmente da razão, porque o resto, corremos atrás.

Você está bem? A pergunta é provocativa porque os mitos relacionados à santidade ou à loucura, que esse momento o “estar bem” pode evocar, são diversos.

Falemos de santidade. Os gregos tinham em Ferusa, Euporia e Ortosia as deusas desse bem-estar, respectivamente “aquela que traz”, “abundância”, e “prosperidade”. Os romanos e os etruscos tinham os “penates”, deuses dos lares e da prosperidade das famílias, cujo nome é derivado do etrusco “penus”, despensa, daí esse local das casas ser consagrado a tais divindades. Durante os séculos, a colocação do pequeno altar dedicado a esses deuses e a Vesta, foram localizados não só onde se guardam os alimentos, mas, nas cozinhas, nas salas, e mesmo nas entradas das casas, cujo costume durou até a restrição imposta por Teodósio I (347-395), já com o predomínio do cristianismo. Interessante notar que esse costume continua em várias casas, com uma imagem de um santo e uma pequena luz ou vela. Quem nunca viu isso?

No entanto, santo de casa não faz milagre…

É notório que a espiritualidade desenvolvida no ocidente tem sua base no sofrimento, na dor; basta observar o testemunho, “martírio” em grego, dos cristãos (autênticos) do passado e do presente. Vemos que quanto mais se sofre, mais virtuosa é a pessoa, e, assim, se torna louvável, digna de ser considerada alma santificada, santa, por atingir o mais alto grau da “felicidade”. Sentimentos perigosos esses almejados, as almas que os aspiram jamais deveriam sentir, nem desejar a alegria e a felicidade, isso, para alguns puritanos cujo olhar não passa da letra, do fundamentalismo letrado. Esses detentores do conhecimento do bem e do mal consideram, antes de tudo, ser necessário que a carranca compunja o semblante, não se tome banho ou se perfume, abomine a natureza, o amor carnal, as relações humanas, a música e mesmo a poesia, em síntese, tudo que exprima a Beleza. Resumindo o pesar que muitos assumem como verdade intocável, em bom latim: “per aspera ad inferi” como canta o grupo britânico Ghost, e ao “bom gosto” de Lúcifer no final da série, “ai, meu eu”, “Ego Deus”.

Ave, Nietzsche:! Se assim fosse, “Prefiro ser um sátiro a um santo”… Só que não.

Para Francisco, e tantos outros, isso não era verdade. Jesus Cristo disse que não era bem por aí, e outras Tradições dizem o mesmo. Jejum e mortificação não significam tristeza, antes, a alegria em se corrigir para galgar outros patamares, incluindo o desapego às coisas materiais através das práticas de beneficência genuínas, tão atuais e necessárias hoje e sempre. A Força da Graça de Deus, a Beleza que Ele mostrou em toda Sua Criação através da Sua Sabedoria devem ser contempladas e valorizadas, mesmo que a nossa carranca não tenha admitido que a Fé é dom, como a voz que possuímos e não queremos usar para cantar, justificando que o outro é melhor, que “tem dom” porque canta. Se treinamos, nossa voz pode mostrar nossos mais profundos sentimentos, de bem e de mal estar, porém, quase sempre nos tornamos pessoas melhores, principalmente quando cantamos em comunidade como nas situações de culto independente da confissão e práticas religiosas, em conjunto como acontecem nos corais; que saudades!

No sentido musical especificamente instrumental, Dietrich Buxtehude (1637-1707) mostra esse sentimento de bem-estar em um “mal-estar musical”, provocativo para os ouvintes e intérpretes, com suas Trio Sonatas de I a VII, respectivamente BuxWV 252 a 258. A particularidade é que cada uma começa em uma tonalidade: Fá maior, Sol maior, Lá menor, Si bemol Maior, Do maior, Ré menor, Mi menor. Tais tonalidades têm seus valores simbólicos, num código “oculto” dinâmico, transitante entre o bem e o mal-estar. Quem ousar ouvir, que não perca a cabeça, antes, faça o exercício do desbaste e polimento da sua pedra bruta para se tornar diamante de grande valor.

Que a Força esteja com vocês!

Vida Longa e Próspera!

 

 

 

 

 

Antonio Pessotti é músico, doutor pela Universidade de Campinas (Unicamp), pesquisador colaborador do Laboratório de Fonética e Psicolinguística (IEL – Unicamp) e professor de Canto e História da Música na Escola de Música Maestro Ernst Mahle (EMPEM).

 

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