Sim, já fizemos a nossa revolução, eu lembro,
lá pelos idos de 68, 70, quando éramos
loucura para os gregos, escândalo para os judeus,
com nossa liberdade, uma calça velha, azul e desbotada,
nosso casaco de almirante, cheios de anéis,
e descíamos as ruas da cidade para tomarmos
aquele velho navio, minha honey baby,
quando todos os vapores eram baratos,
e dois mais dois eram cinco,
venceríamos, venceríamos,
e assim seguimos andando, curtidos de soledad,
mas nossos ídolos continuaram a ser os mesmos,
e as aparências já não enganaram mais,
e hoje somos isso, sentados à sombra das bananeiras,
a nos queixarmos das dores do tempo perdido,
da revolução que não fizemos, ou fizemos,
mas já não fazemos mais, e o que nos resta é tentarmos
não viver como nossos pais, mas não sabemos,
ninguém nos ensinou a não-ser, e o que somos hoje?,
o lugar de fala da última fila à porta do museu do mundo,
a mensagem na garrafa, que se perdeu no Atlântico,
no Egeu, no Pacífico,
na que o pariu, e nossa nau veio dar a essa praia do desvio, de onde observamos
passar navios de bandeiras ignotas, de outras frotas,
e escrevemos na areia nossas memórias,
que a espuma do mar levará, sem que nos reste
uma concha, um caramujo, um gosto de sal na boca,
enquanto ouvimos os gritos das gaivotas,
que voam sem se importar com as conquistas
que guardamos num baú de prata,
porque prata é a luz do luar, do mar da Bahia,
cujo verde nos fazia bem relembrar, tão diferente
do verde também tão lindo dos gramados campos de cá.
Tito Kehl é arquiteto, escritor e presbítero pela Ordem Hospitalar Sanjoanita. Autor de diversos livros, publicou em 2023 – pela editora Terra Redonda – o livro “Poemas ao Deus Desconhecido”.