O que dizer para as crianças?

O que dizer para as crianças?

Cecília Meireles é um dos expoentes da nossa literatura e muito conhecida pelos encantos de seus poemas e por algumas de suas crônicas, pois seus bons textos frequentaram as páginas dos livros didáticos de Língua Portuguesa e também é estudada no ensino médio. O que poucos sabem é que a poetisa também teorizou sobre a literatura infantil e quem se interessa pelo tema deve ler sua obra:  “Problemas da Literatura infantil”. A publicação reúne três conferências proferidas pela autora em Belo Horizonte, em janeiro de 1949. Seu sonho maior era a organização de uma biblioteca infantil que desse suporte à infância em todos os países do mundo, uma unificação de cultura. Em uma de suas falas, a autora conceitua a literatura infantil: livro infantil é todo livro que a criança lê. O que é bem diferente do livro escrito para as crianças. Porque a criança pode não ler o livro escrito para ela, por ser minimizado, bestializado.

De Cecilia Meireles é também “Olhinhos de Gato”, obra em que a poetisa reflete sobre elementos humanos como a perda, a dor, a solidão, a morte, o luto e outros – todos elementos da sua infância. Fica para todos a sugestão de uma boa leitura e dela apreender o como que dizer sobre tais temas para as nossas crianças.  Talvez a forma como Cecília tenha tratado esses assuntos e outros presentes na infância da autora nos sensibilize para algumas de nossas inquietações, já que a internet deu voz a tudo e todos depositam naquele canal suas inquietações. E quais são as nossas? Depende de que ninho você saiu, para que nicho você vai… O que dizer para as crianças? Contextualize!

Uma campanha publicitária na Austrália causou polêmica por apresentar uma foto de uma jovem com dificuldades respiratórias conectada a um ventilador. O objetivo era estimular a vacinação em adultos com mais de quarenta anos, porém, críticos julgaram um desrespeito com quem tem menos dessa idade e ainda tem que esperar a vez. Simples: enquanto espera a vez, pratique-se outras formas de prevenção à Covid-19 já sabidas, como higiene das mãos, uso de máscaras, distanciamento social, enfim, aquilo que já se sabe. A imagem da moça tem um objetivo claro de aceleração de uma campanha e há outras formas para que se espera a vez da vacinação. Tudo muito simples. As crianças entendem isso.  Os menores de 40 anos… que me perdoem. Da mesma forma que há as imagens chocantes nas embalagens de cigarro, em campanha contra o tabagismo. O que dizer então? Enfim!

Ou… duas pessoas do mesmo sexo se beijam ou andam de mãos dadas… (afff… de novo essa abordagem? … será mesmo que são as crianças que se incomodam com isso?). Faço esse questionamento por que – por analogia –  meu filho de quatro anos nunca percebera que o funcionário do prédio onde morávamos era negro, até o momento que ele assistiu a um teatro que falava do homem branco. Será que essa demonstração de afeto e amor é mais destrutiva para a “formação das crianças e jovens” que toda a carga de violência, tiros, socos, lutas, tráfico, pornografia e tudo mais a que se tem acesso nas ruas, mídia aberta ou paga? É para se refletir. Separar o que é do um e o que é do outro não faria mal. As crianças entendem. E sabem. Já os adultos incomodados… é outra questão! E o que dizer a elas?

E o que dizer para as crianças, quando circula a foto o presidente da república, em trajes sumários, conectado a muitos fios em uma UTI ou sala de exames? A imagem não faz parte de uma campanha de vacinação, como a foto da australiana. A tal foto traz de volta a narrativa de um atentado a faca. Tal foto aparece num cenário de CPI, que investiga uma possível corrupção na compra de vacinas e crime de prevaricação. A tal foto aparece quando 94% da população aceita a vacina como prevenção para a Covid-19. A tal foto aparece quando a casa começa a cair. A tal foto me lembra outro presidente. Tancredo Neves. De roupão. Sentado, entre seguidores, quando em recuperação do tratamento de sua diverticulite, dizendo que a saúde do presidente estava bem! O que dizer para as crianças? Que é um apelo afetivo como o representado por dois seres humanos de mãos dadas? Talvez. Pois seria o dia em que os três poderes que administram o país se reuniriam para discutir o destino do país. Mas isso é objeto para outro texto. Ah… essas crianças… como elas exigem de nossa capacidade de abstração. Não saberia o que dizer às crianças, porque eu tenho compromisso com a verdade e não saberia explicar porque o rei está nu.

Se livro infantil é o livro que a criança lê, não o que é escrito para ela, o adulto tem que tomar cuidado não com a produção, mas com o que se disponibiliza para as crianças, se é que é isso mesmo que importa. O conteúdo disponível na web é ilimitado, danoso e as fake news  estão aí para quem duvidar. Preocupar com o que dizer para as crianças quando a manipulação do que se diz ao adulto é feita a olhos grossos, é ser hipócrita demais. Digo não à censura, da mesma forma que digo não à manipulação. Cuidemos das crianças que habita em nós. Cecília Meireles, o seu projeto de mais biblioteca falhou. Lamentável.

 

 

 

 

 

 

 

Élder de Santis é professor e mestre em Educação.

 


Foto de capa: Comunicação/MST

(https://fotospublicas.com/centenario-de-paulo-freire-e-tema-de-leitura-e-arte-por-criancas-sem-terrinha/)

 

One thought on “O que dizer para as crianças?

  1. Meu amigo fui criada por dias irmãs pretas pois minha mãe trabalhava muito, tenho primo tenor do municipal que é casado com outro homem, minha sobrinha e6 viúva de um preto conseguentemente tenho sobrinha preta meus netos vivenciaram tudo isso é os bisnetos tb. Eu sempre demonstrem respeitar

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