O Maravilhoso – por Zilma Bandel

 

Tempos atribulados esses de fim de ano. Será que, com a idade, até o tempo de Natal dá canseira? Ou é o calor? Ou será a previsão do fim do mundo? Um amigo me disse que não vai pagar nenhuma conta até o dia 21. No aguardo… Se ele tiver seguidores, já pensaram? Estou achando falta de criatividade escrever sobre essas coisas. Todo mundo escreve ou comenta. Mas vamos ao que me motivou a escrever.

O editor deste Diário nos convida, pelo Facebook, a ver um vídeo de uma obra de Villa-Lobos, apresentada em um recital que tive a felicidade de assistir. Tomo a liberdade de citar suas palavras: “Certamente, Deus nos fala diariamente por meio de vozes distintas. Mas, para ouvi-La, precisamos dedicar atenção ao som que vibra límpido do Universo em meio ao barulho caótico do mundo, de nosso mundo pós-moderno. Quer fazer um exercício de escuta do maravilhoso? Então ouça, com atenção, Raíssa Amaral cantando a “Bachiana nº5 ” de Heitor Villa-Lobos  (recital do 12/11/2012).” A “escuta do maravilhoso”. Como gostei desse chamamento, em sua íntegra, para vermos o vídeo e, especialmente, e para escutarmos o maravilhoso!

Na mesma semana, li um artigo repleto de sensibilidade sobre a experiência de menino do hoje professor Luís Fernando Amstalden, que – aos quatro anos de idade – assistira a uma encenação do nascimento do Menino Jesus. Memórias poucas, mas com alguns detalhes de cheiros, de imagens guardadas, de bem estar e da alegria que o momento lhe proporcionara. Fica forte a segurança que lhe dava estar guardado, firme, pela mão da tia. Pouco entendia do que estava sendo encenado. E o texto nos fala também da memória da sensação de felicidade indefinida. “A sensação de que o maravilhoso havia acontecido e agora restava somente a alegria que deveria continuar para sempre” (em Minha tia e o Natal, de Luís Fernando Amstalden, publicado no Jornal de Piracicaba de 28/11/2012).

Novamente o maravilhoso!

Resolvi, então, escrever sobre acontecimentos recentes da minha vida que ocorreram nessa agitada época. Essa minha decisão teve a ajuda da leitura do belíssimo depoimento de Leon Cakoff, publicado caderno Ilustríssima (da Folha de São Paulo) em 1º. de maio de 2011 – dizendo sobre sua doença e tratamento. E do maravilhoso.

Minha história – agora.

Parecia um dia comum, levar exames de rotina para o médico. A notícia foi aquela que ninguém quer ouvir. Desci pelo elevador, atravessei a avenida, entrei no carro, e lembro que não sentia o chão que  pisava. Por que comigo? A tal pergunta boba que ninguém deve fazer. E, pior, com que facilidade  me vitimizava e me queixava da crueldade com que a vida me tratava. Não podia entrar nessa. Logo seria o batizado do netinho, viagem importante para evento especial para um filho, festa do primeiro aninho da neta, Natal. A família toda em preparativos para festas.  E eu vítima? Ninguém saberia e ninguém soube (só depois da cirurgia). Quase: precisei da ajuda de algumas poucas amigas até para companhia em exames realizados na madrugada. Fiz certo? Não sei. Era o que tinha para as pessoas naquele momento.

 Estou certa que essa decisão me veio da extrema e total confiança que tenho na capacidade profissional e na qualidade humana do meu médico. “Apareceu um problema e vamos resolver; teremos alguns procedimentos e você vai se curar.” E assim foi. O caminho foi mais longo que esperávamos, porque houve suspeição por um profissional, durante o processo, sobre o resultado da biópsia. Ir de lá para cá para achar meu material que foi analisado e deveria estar guardado em algum lugar. Foi penoso. Enviar para laboratório de excelência, resultado que não vinha e uma esperança de que, dessa vez, o resultado me fosse favorável. Não foi, mas bem melhor que o primeiro, sendo maiores as perspectivas de cura. Assim, fui para a primeira cirurgia no dia 29 de dezembro. Meu organismo, provavelmente, não aceitou algumas drogas, reagiu e precisei, em fevereiro, voltar para nova cirurgia.

Tudo isso aconteceu em um verdadeiro turbilhão. A força veio de uma grande fé que tenho guardada bem aconchegada na alma. E também dos anjos que foram aparecendo e não me abandonaram mais. Esses seres iluminados me ampararam, me moveram para a cura com uma competência espiritual que me emociona sempre que lembro. Sentia a gentileza na fraternidade.  Para quem não quer mistificar, esses anjos podem chegar em forma de uma energia que aquece a alma ao sentirmos a vitória sobre um dos muitos obstáculos para vencer. Ou no silêncio de alguém ao nosso lado. O silêncio espiritual  fala, com amor, mais que muitas palavras.

Longo tempo de tratamento adicional. Idas diárias ao Hospital. Aqui preciso relatar que encontrei a maior concentração de anjos possível em um só espaço. Não falo só de competência profissional, mas de qualidade humana. Não houve um acontecimento que pudesse me contrariar. O tratamento especial era o mesmo para quem tinha um bom plano de saúde e para quem só tinha o SUS lhe amparando. Desde o sorriso na chegada, até a solução dos mais difíceis problemas. Anjos. Para o tratamento, vinha gente de todo canto, até de outros estados. Sofrimento que não tinha ideia que pudesse existir.  Sentia grande emoção ao ver a resignação  das pessoas mais simples. Com certeza, as dificuldades da vida lhes ajudavam nesse momento, nessa nova prova,  para a aceitação com  fibra invejável.

Fui vendo, me assustando, aceitando, me solidarizando, me  calando quando não havia nada para  dizer, às vezes chorando por dentro e sorrindo por fora, agradecendo por tudo que estava aprendendo, por todas essas experiências que  faziam meu espírito mais forte, minha alma mais leve. Sentia que a cura do corpo vinha acompanhada pela cura da alma, com o abandonar das pesadas cargas que carregamos pela vida, esquecendo as mágoas, aceitando limites e valorizando as virtudes, nossas e dos outros; todos temos ao menos uma.

Foi fácil? Não. Ainda hoje não é.  No começo a sensação de perda era grande e indefinida. Aos poucos senti que devemos sentir os processos de perda como mudanças na vida. O estigma da doença, pessoas que se afastaram. Aceitei seus  limites. Difícil estar muito perto da dor. São anjos também. Desfrutei por muito tempo de suas virtudes. Alguma coisa mudou, mas aprendi com elas. Agradeci.

Processo longo, difícil, mas com final enriquecedor e feliz. Se quisermos.

Ontem ouvi a canção “Maninha,” do Chico, minha paixão, o autor da trilha sonora da minha geração: “se lembra quando toda modinha falava de amor?” Pieguice falar de amor? Nem pensar! Aprendi que ele nos leva à aceitação, à paz, à luz na alma. O amor está também no convite para assistirmos a um vídeo de uma ária interpretada de maneira belíssima. O amor está na memória da felicidade de uma criança de quatro anos ao assistir à encenação do nascimento de Jesus, sentindo toda segurança nas mãos da tia que o acompanhava.

O amor está na nossa vontade de, por gostar de viver, lutar com todas as forças, com muita fé, para alcançar a cura.

Fico com o amor.

Fico com o maravilhoso.

Feliz Natal!

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Zilma Bandel é bióloga pós-graduada e cronista do Diário do Engenho

36 thoughts on “O Maravilhoso – por Zilma Bandel

  1. O Diário do Engenho tem o prazer de saudar mais um belo texto de Zilma Bandel.
    Texto-testemunho, tecido, a prosa de Zilma abre em grande estilo os textos de caráter natalino de nosso site.

    Bravo, Zilma!

    Alexandre Bragion
    editor do D.E.

  2. Zilma, querida, que emocionante o seu depoimento. Perdão se eu fui uma daquelas pessoas que poderiam ter dado mais a você nesse momento tão doloroso.Beijos da sua amiga de sempre, Maria Olávia

    1. Obrigada, Olávia.Suas virtudes, amizade e orações foram inspiradoras por toda minha vida em Piracicaba, já longa, desde que vim de São Paulo. Só agradeço a você que, mesmo nesse período, esteve em espírito sempre comigo. Beijo, amiga.
      Feliz Natal!

  3. Zilma,

    Nestes tempos de festas que para mim são a evocação do Amor na maior e mais pura concepção, é muito bom ler palavras dos amigos que se superam a cada dia pois teem dentro de sí a chama daquele Amor maior.
    O primeiro susto que tomei, tinha os meninos pequeninos e somente me lembro que pedí muito a Deus para que pudesse acompanhá-los até passarem a adolescencia.
    O medo passou e nem mais me lembro do susto, somente ficou a certeza da alegria de viver ouvindo os cantos maravilhosos e os sons da vida.
    Parabéns mais uma vez pelo artigo , que me fez sair da mesmice do trabalho diário e viajar pelas lembranças escondidas.

  4. Boas lembranças, não é, Rô?
    Que bom que pude ajudá-la a sair de sua rotina de trabalho e fazê-la lembrar de seu tempo de superação, de fé, de muito amor pela vida, ouvindo, como você escreve, os cantos maravilhosos e os sons da vida. E, completo, o silêncio do espírito.
    Obrigada pelo carinho e incentivo.
    Feliz Natal!

  5. É MARAVILHOSO saber que vc está bem!!! Seu testemunho ajuda-nos a enfrentar pequenas passagens de nossas VIDAS! Obrigado grande AMIGA!!!
    PS: Dá um grande beijo na Claudinha. Amo vcs!!!

    1. Obrigada, João Paulo, que considero como um filho, pelo seu carinho. Nós também gostamos muito de você e torcemos pelo seu êxito. Tenha sucesso em sua bonita carreira que tanto encanta as pessoas com sua música.
      Beijo carinhoso.
      Feliz Natal!

  6. Olá Zilma amiga,
    mais uma vez voce nos brinda com essa pérola. E o que é mais importante de toda essa passagem é que temos voce plena e feliz. Linda produção. Um abraço carinhhoso e ansiosa por novos textos.

  7. Olá querida Zilma,

    todas as pessoas que passam por nossas vidas sempre deixam algo de bom, você com certeza tem uma luz divina que nos deixa com muitas sabedorias e nos serve de exemplo de vida, de batalha, de amor, de fé, por toda sua história que acompanho há muito tempo, afinal você me deu uma grande sabedoria que guardo no coração com carinho especial que é a música, em especial o piano, com certeza os seus anjos passaram pela minha vida e deixaram dons especiais.
    Você é a pessoa maravilhosa que brilha em nossas vidas, que Deus continue abençoando-a com esta sabedoria para compartilhar com todos nós sempre.
    Com carinho, de seus eternos fãs,
    Marcelo e Maria Helena.

    1. Obrigada, Maria Helena e Marcelo, pela leitura e pelo carinho que chegou com sua apreciação.
      Vocês, sua família, foram fundamentais na minha caminhada. Anjos.
      Deixo meu afeto e respeito com vocês.
      Feliz Natal!

  8. Prezada Zilma,

    Seu texto é um autêntico convite para olharmos além, percebendo e se abrindo à presença de uma força vital a suplantar todos os desafios, limites… A sensibilidade para a transcendência é o que nos possibilita a esperança, a perspectiva do devir. Parabéns pelo texto inspirado.

    Esteja bem!

  9. Zilma, como foi bom ler este seu “depoimento”.Sabemos o quanto foi difícil para você passar por todo esse processo, que eu acompanhei de perto. Você é uma pessoa muito especial, forte e corajosa. Que Deus continue te iluminando sempre. Espero que muitas pessoas possam ter acesso a esse texto, que é um exemplo de força, sensibilidade e superação.
    Um grande beijo,
    Ana Lúcia.

    1. Obrigada, Ana.
      Você foi um dos anjos mais importantes nesse processo.
      Minha gratidão é grande pelo apoio em tudo que “passamos” juntas e pelas palavras de carinho e incentivo.
      Beijo com afeto.
      Feliz Natal!

  10. Querida

    Fiquei comovida com seu texto,li e reli.Você combina com maravilhoso,anjo,solidariedade sempre sensível atenciosa didicada mas hoje te sinto mais leve mais ousada mais você com você mesma se libertando mto bom.

    bjs e bjs

    1. Obrigada, Ana.
      Sua amizade sempre foi muito importante. Suas palavras delicadas me emocionam.
      Espero conseguir seguir nessa trajetória há pouco iniciada, e contar sempre com seu apoio e incentivo.
      Beijo carinhoso.
      Feliz Natal!

  11. Zilma, amiga querida,

    seu texto confirmou, mais uma vez, a mulher corajosa e especial que aprendi a admirar, nesses longos anos de amizade, uma amizade consolidada a distância, muito mais espiritual do que presencial, fortalecida pelos rápidos encontros no tempo do Natal, pelos concertos da família pelos quais quais esperávamos o ano todo…Lindo texto, Zilma, sensível, verdadeiro!!! Um grande e afetuoso abraço!

    Miriam

    1. Minha amiga que sempre está longe, mas eu queria bem mais perto! Obrigada pelas palavras de carinho. Você me seguiu à distância, com vibrações e orações, telefonemas, então sempre a senti bem próxima.Sua garra também sempre foi inspiração para mim.
      Torça para que eu dê conta e continue escrevendo.
      Esperando vocês!
      Beijo carinhoso.
      Feliz Natal!

  12. Zilma!

    Maravilha de texto, forte, denso e que nos faz refletir, e muito. Uma história que valoriza o ser existente em cada um de nós e a vida.
    Parabéns!
    Abraços do
    Niva Miguel
    FELIZ NATAL!

    1. Obrigada, Niva.
      Você sempre me incentivou a escrever. Agora suas palavras me motivam ainda mais para continuar me reinventando com meus escritos.
      Abraço com afeto.
      Feliz Natal!

  13. São situações da vida que exercitam nossa tolerância e vigor. Nossas ascendências nos ensinaram a lutar e jamais esmorecer. Gosto muito quando você cita músicas, livros e sites para consulta, fico empolgada em apreciar o que é belo e ainda não tive oportunidade de conhecer. Escrever é dar oportunidade ao outro de adentrar aos universos variados e maravilhosos, como o seu.

    O importante é jamais entrar na vibração do negativo, achar que tudo se apresenta com um patamar a mais para a própria evolução. Beijos!!!!!

    1. Obrigada, Carmem, por sua leitura e pela gentileza, delicadeza e sensibilidade na avaliação.

      Não sou escritora como você (ótima!) e seus companheiros e amigos dos grupos de literatura. Talentos premiados! Minhas investidas, que parecem invadir esse seu seleto círculo, são, na verdade, uma necessidadade interior de compartilhar experiências, bons momentos com música ou leituras, sentimentos de vivências que estavem represados. Do meu jeito. De um jeito expontâneo e sempre com emoção.
      Gratidão!
      Feliz Natal!

  14. Que texto impressionante!!!Que fé e resignação teve minha amiga Zilma ao passar por esse período tão doloroso.É difícil,muito difícil…mas ela,com sua espiritualidade tão acentuada,a tudo suportou e,inclusive,parece ter aprendido mais (se no seu caso é possível)sobre confiança,generosidade e companheirismo.Só sinto não ter sabido na época , que isso aconteceu.Em sua dor,como disse”chorando por dentro e sorrindo por fora”,não esqueceu de abençoar os anjos que estavam a seu lado.Que experiência dura!!!.Mas é relatada com tanta grandeza de alma e tanta fé,que parece um episódio simples.Mas sei que não foi e não é fácil rememorá-lo;somente uma pessoa de seu conteudo pode descrever de maneira tão emocionante esses fatos que a abalaram.Espetacular esse depoimento .Emocionou-me muito,muito mesmo saber de sua luta e de uma nova conquista do campo do aprendizado da vida.Que DEUS continue a iluminá-la como tem feito até agora,dando-lhe essa coragem e fortaleza.Um grande beijo de quem a admira muito,mesmo não estando presente por causa da distância FÍSICA,mas sempre junto a vc espiritualmente

    Anna Lydia(Dida)

    1. Seu comentário me emocionou bastante . Nossa amizade é dos tempos de USP, tempos difíceis de ditadura, mas de amizades sólidas, de jovens lutando para se reconhecer como pessoas, como cidadãs, e depois como profissionais, esposas e mães. Crescemos todos juntos. Essa amizade o tempo não fez diminuir.
      Obrigada pelo carinho, pelo incentivo, sabendo que estamos juntas sempre em espírito. Seu telefonema na véspera de Natal, depois de tantos anos sem nos falarmos, carregado de emoção, foi um presente especial.
      Esteja bem, sempre com Deus.
      Muita luz, muita paz para seu ano novo.

    1. Obrigada, Raul, pela leitura e palavras de carinho.
      Corajosos precisamos ser sempre, não é? Espero que minha experiência possa servir de reflexão para quem esteja passando por algum tipo de dificuldade. Nunca é fácil.
      A redescoberta, a redenção sempre são possíveis.
      Feliz Natal!

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