Na mitologia grega, o deus dos comerciantes é, também, o deus dos ladrões. Já comprei gato por lebre o suficiente para verificar que as duas atividades – comércio e ladroagem – têm muito em comum. No entanto, Hermes nem precisaria ser um deus tão poderoso assim para enganar essa humanidade zonza que não aprende nunca.
Endividar-se é um esporte mundial praticado por pessoas, empresas e governos. Quando países quebram, os governantes jogam a culpa no acaso geo-político e acomodam a dívida sobre o lombo do povo. Quando empresas naufragam, os ratos capitães fogem com o que conseguem salvar e deixam os empregados a ver navios. Quando um reles cidadão comum resolve praticar esse esporte das elites e se dá mal, joga a culpa nos comerciantes.
O devedor profissional, que vive atolado em cobranças, adora considerar-se um inocente, quase um débil mental, nas mãos de quem lhe vendeu algo acima de suas posses. Seguindo esse raciocínio tortuoso, conclui que dar o calote sem devolver o bem do qual se apossou é justíssimo, afinal o comerciante deve receber uma punição à altura de sua “má-fé.”
Ao contrário do devedor eventual, o profissional premedita o calote. Lesar os outros deixou de ser vergonhoso para ele. Já ouvi racionalizações absurdas como: “Dever pra banco não é ter dívida porque os bancos são ladrões.” Da mesma forma, há quem pontifique: “O certo é comprar e não pagar porque comerciante só quer lucro.” Que coisa linda, gente! Para alguns cidadãos, um Código de Defesa do Consumidor, que garanta seus direitos, não basta. Eles querem fantasiar-se de Robin Hood e roubar em proveito próprio. Sinto muito, queridos gatunos, vocês não têm nada de justiceiros, são apenas ladrões sonsos.
Sim, existem pessoas desavisadas caindo em golpes. Sim, diversos empréstimos e financiamentos são armadilhas. Sei que muitos vão jogar a culpa de tudo isso sobre a falta de uma educação financeira. Certo, a Justiça precisa fazer sua parte e os cidadãos devem denunciar os abusos e exigir uma educação decente, mas um pouquinho de bom senso também vem a calhar.
Chega de ingenuidade! Somos seres vivos e todos os seres vivos se alimentam de algo para sobreviver. Alguns caçam, outros fazem fotossíntese… Nós, seres urbanos, trabalhamos por dinheiro e com ele adquirimos o necessário e o supérfluo. Então, embora não pareçam, ruas comerciais e shopping centers são “selvas”. Aquela imensidão de ofertas só existe com uma finalidade: obter o dinheiro do consumidor. Um comerciante não vai assaltar a mão armada, mas também não vai dizer: “Olha, pense bem! Você não precisa disso que eu estou vendendo.”
Qualquer comerciante que se preze vai tentar vender o máximo possível. A ele pouco importa se você está comprando por impulso, ou se vai estourar seu orçamento. Ao contrário do que afirma a propaganda, o lojista não está à disposição apenas porque é seu amigo. Ele não quer que você passe por lá “só pra bater papo e tomar um cafezinho”. Quando uma joalheria recebe o cliente em potencial com uma taça de champanhe, o objetivo é deixá-lo meio alegre e mão-aberta.
O comércio existe porque é indispensável. Cabe ao consumidor entender que quem se veste de pato e entra num estande de tiro vai levar chumbo. Quer evitar uma situação patética? Então tente não lesar a si mesmo, controle o deslumbramento ao fazer compras. Consumismo só é moda entre os patos.
A AUTORA:
Além de consumidora eventualmente lesada por “gatunos,” Carla Ceres é escritora. Vencedora de diversos prêmios literários nacionais, a autora sabe como poucos “cronicar” a vida com toques de um humor sempre refinado.
Adorei o texto, minha querida. Chega de ingenuidade, meu povo!
Beijos, Carlinha. Até mais 😀
Obrigada, Natália! Beijos! 🙂
Olá Carla, que tudo esteja bem com você!
Verdadeiras palavras estampadas nesta tua crônica. Esta ansiedade das pessoas por todos os dias encontrar novidades, tem se mostrado uma verdadeira doença por adquirir.
Pior ainda quando sem qualquer necessidade.
Parabéns pelo texto de alerta repleto de humor, como sempre tem escrito, e não é por acaso que gosto de estar por cá e ler-te.
Desejo que você e todos ao redor sejam intensam,ente felizes, grato por tuas visitas e comentários, abraços e até mais!
Olá, Carla! Crudelíssimamente verdadeira sua crônica “O Devedor Profissional”… E, ainda tem aquele “sujeito” que vem pedir emprestado… dizendo depois “te pago”… e acaba ficando na conta do “Deus lhe pague”!! Isso não é sequer comprar por impulso ou por carência!! É abuso mesmo do “amigo-cara de pau”… que de tanto eu ser vitima… aprendi a usar cadeado na carteira!! Abraço da Célia.
Reflexão excelente… crítica sem deixar de ser leve e interessante. De fato, a compulsão pelo consumo é estimulada por uma lógica perversa do lucro… falta discernimento ético de ambos os lados.
Esteja bem!
Ola´, Carla. Adorei o texto. Eu tenho refletido muito sobre isso! De todos os lados somos somos pressionados a consumir tudo que aparece. Emprestímo, cartão de crédito etc… Temos que ficar de ôlho! Goste de conhecer O diário do engenho. Bjos e obrigada sempre!
Adorei o texto e a conclusão
Um grande bj
Muito obrigada, Sotnas, Célia, Adelino, Cidinha e Gisa! Adorei as visitas e os comentários. Beijos!
Carla,
perfeitas considerações. Achei de uma inteligência ímpar a forma sutil como falou dos caloteiros, concluindo que, na verdade, todos nós somos potenciais caloteiros quando nos deslumbramos.
Abraço!
O problema é de valor e da procura, o consumismo é sintoma de quem não está feliz e acredita que tem de comprar algo que alguém feliz usa, um fetiche. A felicidade é um bem intransferível. Eu me sinto bem consumindo uma bela crônica e as palavras sinceras e simples de um cotidiano. O mote do mundo da propaganda consumista é super, a nova tal, o melhor, a única – e tudo mentira.
Obrigada, Will! Quase todos temos um fraco por algum produto. O meu é por livros. Haja autocontrole! 🙂 Abraço!
Analisou bem, Quartarollo. Obrigada! Abraço! 🙂
Oi Carla, gostei da crônica. Foste um tanto cruel em certo ponto, não é à tôa que um ou outro caloteiro tenha odiado, e não me surpreenderia se vários deles fossem comerciantes disfarçados. Sim, porque eles são mestres na arte da dissimulação. “Sua satisfação é nossa felicidade”, eles dizem. Negativo, nosso dinheiro que é a felicidade. Mas voltando ao caso dos caloteiros, muita gente tem dificuldade enorme de fazer sua própria gestão financeira, que só tem um segredo: planejamento com pulso firme, mais nada. Abraço.
Obrigada pela visita e o comentário, Antonio! Concordo com você, planejamento e pulso firme para segui-lo são bem difíceis. Beijos!
Olá! É a primeira vez que passeio em teu blog. De certa forma fica difícil “redenção” em qual seja o lado. A vida é uma questão de princípios, de hábitos adquiridos. Lendo tua crônica não consigo ficar de fora e dizer que não faço parte, às vezes minto, digo isto e faço aquilo, porém, vou redimindo o lado insensato e tentando o sensato. A glória de ser justo não está comigo, mas, faço questão dela, é dela que se faz o mundo humano…
abraços, espero poder participar do teu blog e segui-lo…
Boa noite Carla, não sou comerciante, mas gostaria de dizer que nem todos são assim, existem muitas pessoas honestas neste meio, como em todos os outros, então não devemos generalizar.
Um abraço.
Beth
Sua crônica retrata a mais pura realidade.
Precisamos aprender a ter controle sobre os impulsos e a não lesarmos a nós mesmos em compras desnecessarias.
Como sempre fico a admirar o seu belíssimo dom para a escrita.
Um forte abraço carinhoso