O desejo da florista – por Fernanda Rosolem

Baltasar acordava todos os dias às 5 da manhã. Enrolava para se levantar e terminava de se arrumar enquanto ainda tomava uma grande xícara de café, forte e sem açúcar, amargo como o seu humor matinal. 

No trajeto até o ponto de ônibus, o mesmo ritual repetia-se diariamente: caminhar pelo lado direito da rua; cumprimentar seu Miguel, dono da tabacaria; atravessar a rua; virar à esquerda; passar pela floricultura da esquina, onde a funcionária mal conseguia abrir o cadeado do portão, e aguardar cinco minutos até que o ônibus chegue. 

Nesses eternos cinco minutos, Baltasar iniciava mais um ritual, o da lamentação: 

– Não aguento mais esse emprego! Estou cansado de acordar tão cedo. Eu poderia ao menos conseguir comprar um carro, assim não teria a obrigação de cumprimentar todos os dias aquele podre coitado do Miguel e não teria de aguentar os olhares dessa florista ridícula. 

Enquanto isso, a poucos metros dali, uma jovem, que fingia ter dificuldades para abrir o cadeado do portão da floricultura, aproveitava seus cinco minutos antes de iniciar a jornada de trabalho: 

– Que alegria poder trabalhar aqui! Se não fosse por isso, talvez nunca tivesse conhecido esse homem que admiro silenciosamente. Todos os dias, apesar de se levantar tão cedo, ele encontra simpatia para cumprimentar educadamente seu vizinho e esperar pacientemente sua condução. Espero que algum dia ele note minha presença e troquemos algumas palavras para que possamos nos conhecer. 

Baltasar se preparou para embarcar no ônibus que acabara de chegar; enquanto que, a poucos metros dali, o portão da floricultura se abria. 

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A autora 

 

Fernanda Rosolem é jornalista, música e pedagoga.

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