O Brasil nunca precisou tanto da SBPC

O Brasil nunca precisou tanto da SBPC

Nunca a ciência foi tão importante para salvar a vida humana. Nunca a SBPC foi tão importante para a sociedade brasileira. Neste tempo de pandemia, a ciência representa literalmente a diferença entre viver ou morrer.

Também, nunca a ciência foi tão importante para uma vida decididamente melhor. As ciências da saúde ampliaram nossa expectativa de vida. Ações na área da cultura e da atividade física não competitiva estão melhorando a qualidade da vida. As áreas em que a SBPC atua – a ciência, a cultura, a tecnologia, o meio ambiente e as humanidades – formam hoje uma aliança que promete uma vida melhor do que jamais antes.

Estamos assim numa encruzilhada: por um lado, a pandemia e um governo que se opõe ao conhecimento rigoroso e aos valores éticos que ele encarna; por outro, um futuro com uma vida mais longa e bem qualificada, somada a uma economia ambientalmente sustentável e a uma sociedade que promova ampla inclusão social.

Não podemos mais tolerar a injustiça social que marcou quase toda a história do Brasil, prejudicando e até chacinando os mais pobres, ao mesmo tempo em que lhes nega oportunidades e efetua um desperdício gigantesco de talentos.

Se calcularmos que no máximo um terço de nossa população tem boas oportunidades – assim consideradas a boa renda, a boa educação e a boa saúde –, é lógico que estamos jogando fora dois terços das competências dos brasileiros. Uma simples regra de três permite fazer essa conta. O Brasil, ao se tornar justo, tornar-se-á também mais próspero.

Compete assim à SBPC, não apenas enfrentar os problemas terríveis desses últimos anos, mas ser parte decisiva, talvez liderança, no projeto de uma sociedade tornada mais ética e mais feliz graças ao conhecimento científico e rigoroso.

Lembremos também que a ciência mudou de perfil nestas décadas. Houve um momento em que ela se aliava ao complexo militar. A bomba atômica foi o maior indicador dessa aliança, que continuou nas guerras cada vez mais tecnológicas posteriores à II Guerra Mundial. Mas hoje cresce exponencialmente a pesquisa científica com vistas à vida e à paz. Não é fortuito que nossa SBPC, aliada a entidades com finalidades semelhantes, esteja marcada por forte preocupação moral: melhorar a educação, inclusive a básica, incluir os discriminados, dar igualdade de oportunidades, injetar ciência e tecnologia na produção, fazê-la amiga do ambiente e não sua inimiga. Tudo isso é ética.

Não estamos apenas lutando por sobreviver ao desastre sanitário e ao desastre político, mas por uma sociedade justa como nunca antes, por uma qualidade e duração de vida sem precedentes na História.

O PROGRESSO DA CIÊNCIA

Falemos da grande ameaça sanitária. A Peste Negra, por volta de 1350, matou entre um terço e metade da população humana em vastas regiões da Eurásia. Um século atrás, a gripe espanhola eliminou 3% a 5% da população mundial. A mortandade caiu 90% entre uma e outra, e por quê? Devido a avanços significativos nos cuidados médicos e de enfermagem, ambos iluminados pela ciência.

Agora, se a Covid-19 matasse tanto como a gripe espanhola, já teríamos 230 milhões de mortos no mundo. Na verdade, porém, morreram até agora algo mais do que 3,42 milhões – um número enorme, mas que é inferior a 1% do porcentual morto devido à gripe espanhola. (Notem que falamos em porcentual, não em números absolutos).

Em apenas um século, a ciência mostrou enorme capacidade de salvar vidas. Muitos ainda sucumbirão, especialmente em países com governantes irresponsáveis, mas repito: todas as vidas que foram e serão salvas da pandemia se devem à ciência.

Nada mostra melhor do que isto a importância de que nossa SBPC cumpra seu papel. Infelizmente, a maior tragédia humana desde a Segunda Guerra Mundial se abateu sobre nosso País no momento em que ele tem um governo que hostiliza a ciência, seu fruto precioso que é a tecnologia, a educação, a cultura, o meio ambiente, a saúde, em suma: a vida.

É missão da SBPC mostrar para a sociedade que sem saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia o Brasil não tem futuro. Nem temos vida.

DUAS AGENDAS PRIORITÁRIAS

A prioridade dos que amam a vida é defender a ciência, a educação, a cultura, a tecnologia. Por isto, a primeira agenda, atarefa imediata da SBPC é defender as políticas que fizeram o Brasil avançar na ciência, tecnologia, educação e inclusão social. Isto requer recompor e aumentar os orçamentos destas áreas, recuperar o MEC e o MCTI, bem como Capes, CNPq, FINEP e as Fundações de Amparo à Pesquisa. Estes órgãos hoje estão gravemente ameaçados, mas são quem salva vidas e desenvolve o País; assim poderemos retomar e aprimorar as políticas que fizeram o Brasil avançar e até servir de exemplo mundial em áreas como a saúde pública, agricultura, petroquímica, sem esquecer a inclusão social.

Nossa segunda agenda, e indissociável, é garantir a democracia plena, valorizando os conhecimentos que permitam uma sociedade justa e feliz. Devemos cumprir as metas que a Constituição de 1988 elegeu para nós, inclusive erradicar a pobreza. Nosso País está voltando ao mapa da fome: isto é inaceitável.

É com o intuito de batalhar por estas causas que assumo minha candidatura à presidência da SBPC para o biênio 2021-2023.

TRÊS CIRCULOS CONCENTRICOS

Nossa ação deve se desenvolver em torno de três círculos concêntricos.

O primeiro é o objetivo histórico da SBPC: a defesa da ciência, da educação, da tecnologia, da cultura, indo da qualidade da educação, infantil, básica ou superior, até a pós-graduação e a pesquisa – o que acarreta retomar o avanço na qualidade da educação básica e na expansão do ensino superior público e da pós-graduação. Devemos democratizar o conhecimento, incluir os jovens com as suas linguagens, implantar formas de comunicação com qualidade e formar novos cidadãos com conhecimento. A sociedade está ávida por conhecimento de qualidade; a SBPC tem um histórico altamente positivo de divulgação e educação científica, que há de ser fortalecido.

O segundo é o da justiça social, expressa nas políticas de ações afirmativas, que não apenas começaram a rever a infâmia que é a exclusão dos mais pobres como também a permitir que milhões de pessoas talentosas venham enriquecer nosso País, acabando com aquilo que Saint-Exupéry, horrorizado com a fome e a humilhação, chamou de “Mozarts assassinados”. O Brasil somente realizará suas potencialidades quando todos os gênios hoje abafados e triturados tiverem espaço para seu desenvolvimento pessoal e para o progresso coletivo. Isto é possível com políticas afirmativas e de longo prazo.

UMA PLATAFORMA DE UNIÃO NACIONAL

Finalmente, o terceiro círculo concêntrico é a defesa e ampliação da democracia. Faz parte da democracia que ela se expanda. Não há democracia preguiçosa. Para por fim ao retrocesso democrático destes anos, a SBPC deve se juntar a outras associações e a todas as demais forças vivas da nação, as que priorizam a vida e não a morte, para defender uma plataforma de união nacional emergencial, que abranja os governos, órgãos e entidades que assim o queiram, para a salvação de nosso País e de nossos cidadãos, consistindo em:

1) Uma ação enérgica e concertada de combate à Covid-19, com máscaras, distanciamento físico, o máximo possível de teletrabalho e, sempre que necessário, confinamento e restrição da circulação de pessoas, para que não morram desnecessariamente, nem sofram sequelas irreversíveis.

2) A concentração de esforços na aquisição do maior número possível de vacinas, para reverter a curva assassina da Covid-19, assim permitindo, o mais cedo que se puder, a volta às atividades normais de nossos cidadãos, com economia, escolas, templos funcionando sem risco de vida.

3) Um auxílio emergencial ou programa permanente de renda mínima, em valores decentes, para garantir vida e dignidade aos mais vulneráveis ante a crise pandêmica e econômica.

4) O financiamento destas medidas por um sistema de impostos mais justo, arrecadando mais dos que têm maior fortuna ou riqueza, como se tem feito mundo afora.

5) Medidas de proteção à infância e adolescência, com o necessário, ainda que tardio, fornecimento de pacotes de dados e de redes de Internet para os alunos que sigam o ensino remoto emergencial, bem como a vacinação e testagem sistemática de professores, funcionários e pelo menos os alunos mais sujeitos a contrair o coronavírus, bem como as medidas que puderem fazê-los superar o sofrimento deste ano e tanto tão difíceis.

6) O desenvolvimento da educação, da cultura, da pesquisa científica e tecnológica, com o fortalecimento das instituições de ensino e institutos de pesquisa de todos os níveis, incluindo CAPES e CNPq, para que nossa ciência retome a posição que estava atingindo entre as mais pujantes do mundo – o que, por sinal, traz um retorno econômico impressionante.

7) O fortalecimento de nosso sistema de saúde e um empenho na prevenção de futuras pandemias, aumentando a resiliência do sistema socioeconômico, bem como diminuindo as enormes e injustas desigualdades sociais em nosso País.

8) Um empenho decidido em favor do meio ambiente e da sustentabilidade, condições para a sobrevivência da espécie humana no planeta, bem como para nossa qualidade de vida – e, além disto, para o desenvolvimento econômico, agora com base cada vez maior no conhecimento e na ciência. A Amazônia está queimando, o Pantanal também, nossos biomas estão ameaçados: não podemos aceitar isto.

9) Uma participação ativa nas comemorações do Bicentenário de nossa Independência, não por acaso ignoradas pelo atual governo, mas que se estenderão pelos próximos anos, marcando não apenas o Grito do Ipiranga, porém as lutas em outros Estados para libertar o País, além da formação de suas instituições e de sua nacionalidade em 1822, e nos anos seguintes. Nestas comemorações é fundamental integrar todos os grupos sociais, bem como garantir que o Brasil a ser rememorado seja composto de todos os brasileiros, inclusive dos que sofreram nas guerras locais e regenciais, com particular ênfase aos negros e indígenas humilhados e escravizados.

10) Uma SBPC de integração nacional com representação em todos os Estados, participando ativamente na defesa e desenvolvimento da educação, ciência e tecnologia voltada para o bem-estar social e dignidade para a vida.

A SBPC conclamará os brasileiros que defendem a vida e a humanidade, de qualquer persuasão política ou religiosa, bem como todas as instituições públicas e organizações de toda ordem, a se unirem em prol da reconstrução do Brasil.

Somente assim poderemos garantir a sobrevivência de nosso povo e, depois, a retomada das atividades normais no País.

 

 

 

 

 

 

 

 

Renato Janine Ribeiro é professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP). Foi ministro da Educação (2015) e diretor de Avaliação da CAPES (2004-8). Também foi professor visitante na Columbia University (2003-4) e na Universidade Federal de São Paulo (2018-20), fundando nesta última seu Instituto de Estudos Avançados e Convergentes (2019). Foi secretário da SBPC e é seu conselheiro.

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