Quando adolescente, entre os colegas de igreja, nutríamos uma curiosidade temerosa sobre o “fim do mundo”. Alguns mais velhos levantavam dados e comentários sobre o que seria, quando, de que forma se daria o final dos tempos. Lembro com que aflição eu ouvia falar de períodos de fome, escassez, terremotos e perseguição aos cristãos. Aquilo era apavorante e angustiante.
Vivíamos em sobressalto tentando descobrir quem seria o anticristo, um personagem escatológico que dominaria o mundo, política e economicamente, como o grande mandatário de toda a humanidade. Muitas especulações eram feitas: o presidente dos Estados Unidos, o Papa, a União Soviética, o homem mais rico do mundo. Era uma tortura emocional patrocinada pela vontade dos colegas mais velhos de nos amedrontar e até para controlar nossas “artes” com o medo de sermos surpreendidos pelo julgamento divino – coisas, infelizmente, naturais até hoje dentro de muitas igrejas.
Depois de adulto, no Bacharelado em Teologia, mudei totalmente a percepção sobre Escatologia a partir da própria etimologia da palavra (do grego antigoεσχατος,”último”, mais o sufixo -λόγια, “estudo”) ou seja, o estudo das coisas últimas, agora não somente das últimas coisas, mas, especialmente, das coisas últimas, mais importantes, de maior significado, essenciais. Isso me ajudou a ler o Apocalipse, por exemplo, como uma mensagem para o agora, principalmente no contexto em que foi escrito, quando o cristianismo era subversivo, proibido, fugitivo, dependendo de mensagens codificadas para se nutrir, como as de João, prisioneiro em Patmos.
Assim compreendi claramente que a mensagem bíblica é para o agora, para o fundamental, para aquilo que vivemos, para as dores e perturbações diárias. Por isso desvencilhei-me das preocupações com o futuro e me atirei nas urgentes e assim reli a bíblia com mais cuidado para melhor interpretá-la. Revi os profetas como homens e mulheres comuns usando de todos os meus sentidos para discernir com clareza entre o bem e o mal que pregavam, especialmente o bem vestido de mal e o mal transvestido de bem. Reconheci os evangelhos como sinais práticos de uma piedade comprometida com Deus, voltada aos mais fracos através da partilha, do apoio mútuo, esperança, fé e amor.
Sobretudo, reinterpretei a figura do anticristo, antes decifrado como uma personalidade marcada por liderança, poder e carisma, capaz de comandar o mundo. Hoje o vejo como uma filosofia, um estilo de vida, um comportamento. Sim, tenho agora a imagem do “anticristo” como uma filosofia de vida poderosa, economicamente, politicamente, capaz de envolver pessoas que negam radicalmente os ensinos de Jesus Cristo através do que fazem. Mas, pra mim, o maior perigo desse modo de pensar e viver está na sutileza, na capacidade de confundir, de se camuflar, parecer uma coisa e ser outra, parecer ser o bem, sendo o mal. É assim que elaboro a religiosidade que não partilha, não chora, não se recente do mal.
Quando Pilatos induziu o povo a trocar Jesus por Barrabás, nascia o anticristo. Quando o Império Romano perseguiu, prendeu e matou os discípulos de Jesus, o anticristo deu seus primeiros passos, posteriormente, quando a Igreja queimou quem a questionasse, o anticristo se desenvolveu, quando, por conta da religião, a Ku Klux Klan (que ironicamente tinha como símbolo uma cruz em chamas) perseguiu e matou católicos, judeus e negros nos Estados Unidos, o anticristo se tornou adulto. Infelizmente, ele ainda sobrevive nos dias atuais quando um sem-teto é morto, um gay é agredido, uma mulher é estuprada, um negro é renegado, uma criança é submetida ao trabalho infantil, um pobre é ignorado através de opressão ou descaso, ou o meio ambiente é tratado somente como objeto de exploração comercial.
O anticristo sobrevive nos dias atuais nutrido por políticas equivocadas, por indiferença, intolerância, racismo, falta de sensibilidade, de educação, compaixão e misericórdia. Ele está na arrogância dos nossos pensamentos, nas ambições desmedidas, na incapacidade de entendermos que a vida só tem sentido se for dividida, compartilhada, repartida, como é partilhado o corpo e o sangue de Jesus. O anticristo morrerá por inteiro quando entendermos e vivermos as palavras de Cristo ao dizer: “Ame o Senhor, seu Deus, com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente e com todas as forças” (…) “Ame os outros como você ama a você mesmo” (Marcos 12: 30 e 31).
Nilson da Silva Júnior é professor e pastor
E Duro mas temos que fizer o seguinte: O porque das indiferenças rotuladas por muitos em razão dos mais fracos .
Sejamos nós mesmos sem críticas ou vomentarios.