A Música sempre inspirou o olhar para o futuro, para o que seria oculto aos olhos dos “pobres mortais” – e que o digam certas letras, como “Cartomante”, “Está escrito nas estrelas” entre outras. “Caso do acaso bem marcado em cartas de tarô” ou não, o eterno questionamento da Esfinge está bem na “moda”, no sentido literal da palavra que leva muitas modelos lindas às passarelas. Aquilo que se repete dentro de uma amostragem de eventos pode guiar nossas tendências, se assim deixarmos e se os atuais algoritmos das redes sociais, novos espíritos encarnados nas nuvens do “não saber”, funcionam como nossos oráculos em pleno século do “telefone celular, espelho meu”.
Fugir dessa medida estatística como “práxis” é fugir de certas situações ou configurações da realidade. No entanto, não dá para fugir da Esfinge do dia a dia, que nos pergunta sempre “decifra-me ou te devoro”. O olhar narcisista do espelho pode revelar o pior de nós, nem sempre o belo reflexo de quem “não acha bonito o que não é espelho”.
A criatura mítica tem sua origem na antiguidade, não apenas na mitologia greco-romana, mas, bem anterior e comum a outras culturas. Os egípcios tinham androsfinge, hierocosfinge, e criosfinge, sendo o corpo sempre de leão e suas cabeças: humana, falcão, e cordeiro, respectivamente. A mais conhecida escultura é a Sesheps de Gizé, também denominada de “Pai do Terror”, em árabe. A mitologia grega tem a conhecida figura de Tebas, demônio de destruição e má sorte que questionava a todos os viajantes, como leão alado com cabeça de mulher. Algumas hipóteses consideram que seria uma mulher com patas, garras, e peitos de um leão, cauda de serpente e asas de águia. Sófocles relata em sua peça, Édipo Rei, que teria Hera, ou Ares, mandado a esfinge de sua casa na Etiópia para Tebas, para aterrorizar a todos com o quebra-cabeça mais famoso da história: “Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três?”A etimologia do seu nome “sphinx”, que em grego significa “estrangular”, mostra o destino fatal dos incautos e inábeis nessa tarefa de vencê-la. Para nós, ficou o termo bem conhecido em várias áreas, o esfíncter, com a função de regular a passagem de fluidos em qualquer sistema, biológico (temos 43!) ou hidráulico.
Por outro lado, a Esfinge pode ser considerada a síntese de um ensinamento em quatro momentos, sintetizada pelos verbos “saber, querer, ousar, calar”, da mesma forma que a sonata número 2 de Chopin com os movimentos “Sepultura, Scherzo, Marcha Fúnebre, e Final”. Ela é representada no arcano XXII do Tarô, com a representação do ser andrógino no seu centro, superando as fases propostas pelos “monstros” dos quatro cantos da carta, semelhantes à visão de Ezequiel e na iconografia como os quatro seres representantes dos evangelistas. Não é para assustar… “Monstro” é derivado do latim “monstrum”, de “ser deformado, monstruosidade, sinal, agouro”, literalmente “aquilo que deve ser mostrado”, derivado do verbo monere, “avisar, chamar a atenção para”. Para pensar, os machões de plantão não deveriam chamar as mulheres de sereias, posto que elas não eram tão belas assim, apenas com sua voz maviosa, atraíam os marinheiros e, eram aladas, como representadas na Odisseia de Homero.
Esfinges, Sereias ou Hárpias, suas primas… Que nenhuma delas sejam nossas companheiras, antes sirvam como reflexão das nossas próprias dificuldades a serem vencidas. Que não nos estrangulemos diante das dificuldades, antes, meditemos ao som de Chopin ou com um bom chope, a beleza da vida e a superação dos problemas que nos cercam, sem ter nenhum esfíncter frouxo, como certos “representantes do povo”.
Salve, Alfredo!
Em silêncio, meditemos:
Pensais que a opinião pública nunca possa render homenagem o vício? Não, mas ela faz justiça à atividade e à audácia, e está na ordem que os covardes infames estimem os bandidos audaciosos. A audácia unida à inteligência é a mãe de todos os sucessos neste mundo.
Para empreender, é preciso Saber. Para realizar, é preciso Querer. Para querer verdadeiramente é preciso Ousar. E para recolher em paz os frutos da própria audácia, é preciso Calar. SABER, OUSAR, QUERER, CALAR são os Quatro Verbos Cabalísticos que correspondem às quatro letras do Tetragrama e às quatro formas hieroglíficas da Esfinge.
Saber é a cabeça humana. Ousar são as garras do leão. Querer são as ilhargas laboriosas do touro. Calar são as asas místicas da águia. Apenas se mantém e acima dos outros quem não prostitui os segredos de sua inteligência aos comentários e ao escárnio daqueles. (Conferir, para tanto, “A Chave dos Grandes Mistérios,” de Éliphas Lévi).
Antonio Pessotti é músico, doutor pela Universidade de Campinas (Unicamp), pesquisador colaborador do Laboratório de Fonética e Psicolinguística (IEL – Unicamp) e professor de Canto e História da Música na Escola de Música Maestro Ernst Mahle (EMPEM).
Para dissecar a incógnita da vida .