RESENHA
Contundência. Palavra diversas vezes empregada quando o assunto é Daniel Piza. Formado em Direito pela USP, Daniel iniciou a carreira de jornalista em 1991, no jornal O Estado de S. Paulo. Foi repórter e editor assistente da Ilustrada, da Folha de S. Paulo e colunista no caderno Fim de semana, da Gazeta Mercantil — voltando ainda ao Estadão, como editor executivo e colunista. Piza trabalhou também como tradutor, organizou títulos, elaborou roteiros e documentários e escreveu dezessete livros – entre os quais se destaca a biografia de Machado de Assis e a coletânea de crônicas sobre o futebol brasileiro, Oras bolas.
Escritor competente, abordou assuntos variados, de política a futebol, em textos inteligentes repletos de argumentação ágil e provocadora. Ideias e convicções não faltavam ao autor, consumidor voraz de livros, filmes e obras de arte. Artimanha do destino, Piza faleceu em dezembro de 2011, aos 41 anos, deixando em seu blog uma despedida que se queria breve, mas que se tornou eterna: “Parada de fim de ano. Volto no dia 11. Feliz 2012 para todos nós.”
Pensando-se mais especificamente sobre seu livro Jornalismo cultural, podemos dizer que fica evidente o talento do autor para a argumentação. Mesmo no primeiro capítulo, que é um apanhado histórico a respeito do jornalismo cultural, a contextualização é permeada por críticas muito bem fundamentadas. Logo no iníco, na introdução, Piza dispara: “ O jornalismo cultural brasileiro já não é como antes.”
Ao longo do livro, Daniel tece críticas não só ao jornalismo, como também ao leitor, que prioriza os fatos (hard news) em detrimento da opinião. Ressalta, porém, a existência da qualidade de jornalistas e do público consumidor interessados em jornalismo cultural bem feito, em dedicar-se a um espaço para criar e recriar, transmitindo o conceito do jornalismo vivo, que se transforma e se constrói através do diálogo com todos os elementos e setores da sociedade.
Segundo Daniel Piza, a cultura não pode ser vista, estudada, entendida ou percebida isoladamente. Há interfaces entre cultura, economia e política. Tal concepção nos remete ao pensamento de Max Weber, sociólogo e economista alemão, que no início do século XX difundiu a convicção de que não há mudança no meio social sem a cristalização de uma nova cultura.
Piza salienta, nos quatro capítulos de seu livro, a relevância do compromisso do jornalista com a qualidade, com a visão ampla e despida de preconceitos, com o prazer e seu papel social. Discute, principalmente no segundo e no quarto capítulos, as dicotomias e contradições presentes no jornalismo cultural contemporâneo, como o elitismo e o populismo, a tribalização e a valorização da diversidade, o nacional e o internacional e o impacto desses elementos na prática jornalística.
O autor destaca ainda as distorções causadas pela distância e separação entre cadernos diários e suplementos semanais, cada um com suas particularidades e peculiaridades. Esse hiato, como define o autor, entre as publicações é nocivo quando gera, por exemplo, a entronização do pop ou a noção de que ele não exige conhecimento prévio para ser abordado. “Jornalismo é dosagem,” escreve. É justamente dosagem que percebemos no livro. Numa linguagem acessível, sempre crítica, o autor nos conduz aos diversos momentos do jornalismo cultural, aos nomes mais expressivos e seus estilos próprios, a influência recebida e exercida pelo jornalismo na sociedade.
Com extrema habilidade e legítimo conhecimento de causa, Daniel Piza expõe em seu livro os desafios de se fazer jornalismo cultural no Brasil. Levanta questões e propõe respostas, sempre provocando uma atitude crítica e reflexiva. Mesmo para o leitor que não atua no âmbito da comunicação o livro é um exemplo de raciocínio bem articulado, visão crítica e questionadora. Mais que conhecimento, que bagagem intelectual ou cultural, Daniel Piza proporciona neste livro o prazer do exercício de pensar.
“Jornalismo cultural” é leitura obrigatória para quem ingressa no universo da comunicação e prazerosa para os amantes da literatura. Não à toa, em matéria publicada no jornal “O Estado de S. Paulo,” no dia 08 de janeiro de 2012, o crítico literário Silvano Santiago declarou: “Como Nelson Rodrigues, Daniel tem o sentido da dramaturgia das ideias. Como Paulo Francis, cultiva a discussão intelectual na praça pública do saber”.
Por isso, o tempo empregado na leitura deste livro é investimento lucrativo. Rica é a experiência do mergulho nas palavras deste corintiano “roxo”, portador do jornalismo culturalem seu DNA, que afirmava: “Ideias e artes se entrelaçam com atos e fatos – a tradição não é para seguir ou romper, mas uma rica e divertida história de discussões e sensações, um vibrante congresso de confrontos. “É tolice achar que bibliotecas são silenciosas”.
(Jornalismo Cultural
PIZA, Daniel
Editora Contexto – 2004
ISBN 85.7244227-8)
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Glória Bonilha Cavaggioni é funcionária do SESC Piracicaba e aluna do 2º semestre do curso de Jornalismo da Unimep.