Jericos, Girinos e Alevinos

Pronto, sou bicho de novo. Mais exatamente, “bixo” com “x” mesmo, como os veteranos costumam escrever a batom, na testa dos calouros que entram para a faculdade. Trocar o “ch” pelo “x” poupa tempo na hora do trote em grande escala. Também faz o rótulo se ajustar melhor sobre as mentes estreitas dos bixos mais burros.

A frase “Todo bixo é burro”, mantra humilhante e relativamente verdadeiro, não justifica trotes violentos. Antes sugere que veteranos e professores devem ter uma dose extra de paciência com os novatos. Acredito em trotes solidários, como a arrecadação de alimentos para entidades assistenciais.

Os jovens chegam à universidade cheios de projetos e energia. Trazem também algumas ideias de jerico sobre como o mundo funciona (muito mal) e como passará a funcionar quando os Drs. Bixos derem as cartas.

Pensando bem, retiro o que eu disse. Vou trocar “ideias de jerico” por “ideias de girino”. Os bixos se acham grandes, mas não passam de filhotões sapeando aqui e acolá, metendo o bedelho em tudo, questionando a todos, dos faxineiros ao reitor, sem se esquecer dos professores e do Conselho de Segurança da ONU.

A despeito de uns trotes idiotas, ser bixo é uma delícia. Pena que passa rápido. Em semanas, os novatos descobrem limitações em seus poderes. Alguns se desiludem e desistem ou desperdiçam a oportunidade jogando truco e fumando pelos cantos. Outros escolhem as batalhas em que realmente podem fazer diferença e tornam-se veteranos de respeito.

Eu já fui uma veterana gente boa. Graduei-me em Letras, sem jogar baralho nem torturar calouros. Mas a saudade dos tempos de bixo me fez iniciar uma segunda graduação, em Radialismo. Então afirmo, por experiência: não importa se você já se formou na universidade. Se decidiu fazer mais um curso, você é um iniciante outra vez. Retornou à categoria de  bixo e todo bixo é…

Aliás, dizem que o veterano que volta a ser bixo é mais burro do que os outros porque, podendo estar bem longe da faculdade, preferiu reincidir na burrice.

Cursei só alguns semestres de Radialismo. Agora sou “bixo de pós”. Pouco importa se esse termo não existe, se os pós-graduandos se sentem mais sábios e experientes, se não haverá ninguém para pintar nossos rostos e fazer brincadeiras constrangedoras. Somos iniciantes. Temos a cabeça cheia de ideias de alevino e nos julgamos os tubarões em pessoa.

Tenho uma certa simpatia pela “burrice” dos bixos porque me parece um tipo de ingenuidade bem-intencionada, em busca de ação e mudança. Quem, a despeito dos obstáculos e da inveja dos acomodados, se atreve a iniciar algo pode não realizar tudo o que planeja, mas aprenderá a direcionar seus recursos com eficiência, para modificar o possível.

O Brasil precisa de mais bixos, de mais gente disposta a estudar por um mundo melhor. E os futuros bixos precisam de um ensino decente desde a pré-escola. Não podemos fazer por menos, seria a verdadeira burrice.

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Carla Ceres é poeta e prosadora

19 thoughts on “Jericos, Girinos e Alevinos

  1. Parabéns Carla!
    Nunca ficamos totalmente “prontos” e continuamos sempre aprendendo, seja nos nos cursos que fazemos, com as pessoas, com os animais, nas viagens, nas adversidades, enfim, a Vida ensina!
    bjos

  2. É isso aí, Carla… bixos costumam ter o rei na barriga, mesmo com corpos sarados (portanto, tendo a tal barriga apenas no sentido figurado). Mas não é culpa deles. De resto, acho interessante ter a experiência de ser um deles depois de mais velho. Talvez se perca a ingenuidade, o sentido de utopia desvairada próprio das variações hormonais típicas da baixa quilometragem de vida. O que acho ruim é perder a energia, a vitalidade e o bom humor. Esses espécimes iniciantes das faculdades reviltalizam a gente. De resto, ótimo texto, como sempre. Beijos!

  3. Ah! Que caminho delicioso esse entre os “bixos”… Revigorante não só em aprendizado, mas na vida! Fiz e refiz por várias vezes tal caminho… Vários cursos, faculdades, pós… e ainda me pego inúmeras vezes com a vontade do retorno… Quem sabe ainda… Aprendendo sempre é o meu lema e nunca me sinto apta! Felicidades! Bj. Célia.

    1. Obrigada pela força, Shirley! De fato, não é o saber que ocupa lugar, são os livros. Os meus procriam em velocidade e quantidades coelhescas. Com a pós como desculpa, nem te conto… 🙂 Beijos!

  4. Eu que trabalho com alunos de final do ensino médio me identifiquei muito com suas palavras.
    às vezes me pego pensando noque dará quando fulano ou sicrano entrar na facul, como eles dizem.
    Muito boa reflexão! E engraçada.
    Um abraço.

    1. Obrigada, Suzane! Imagino a ansiedade dos pobres alunos no fim do ensino médio. Não é à toa que mudam tanto, quando chegam ao terceiro grau. Beijos!

  5. Já fui bixo um dia, que já está longe. Sempre penso em passar
    por outra burrice, de novo. A burrice nunca se acaba, há sempre
    chance de se tornar menos burro, às portas abertas das universidades.

    Adorei a crônica, Carla, me deu a maior “corda” para um novo desafio,
    para debelar a burrice que sempre persiste em permanecer no mais recôndito
    dos dos meus frágeis neurônios…
    Beijinhos

  6. Adorável a leveza com que abordou o assunto.

    Matemático, nunca entendi o porquê de ser bom em morfologia ou mesmo grafia, tinha por pressuposto saber latim, grego, árabe… Daí sempre morri de medo de escrever errado, uso uma velha bengala quando não tenho dicionário por perto, escrevo da forma como primeiro me vem à mente.

    No texto, o que achei bacana é que você fugiu dessa tola explicação que dei agora, destacou a intensão de escrever com intensão…

    Parabéns!

    1. Obrigada, Will! Sabe que você está certo? Segundo especialistas, temos mais chances de acertar quando escrevemos do primeiro jeito que nos vem à cabeça. Mesmo em vestibulares, a primeira alternativa que nos parecer correta provavelmente será. Mistérios do inconsciente! 🙂 Abraço!

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