Queridos e tiritantes irmãos brasileiros, de acordo com relógios e termômetros, são duas horas e oito graus da tarde. Oito graus positivos, mas a sensação é de hipotermia galopante. Pensamentos confusos obrigam meus dedos a escrever pra vocês, afinal nós, seres tropicais, somos ricos em calor humano. Escrever pra aquecer, exorcizando os capetas do frio, que fugiram do inferno tibetano pra nos invadir. Sim, os tibetanos acreditam que o inferno é gelado. Nós também acreditaríamos se vivêssemos no Himalaia.
O inverno me faz esfregar as mãos e pensar: Pra que serve tanto frio? “Bem”, responde a lógica, “do ponto de vista científico, o frio não serve nem tem que servir pra nada. O frio acontece e pronto.” Mas, de um ponto de vista egocentricamente humano, o inverno serve pra muita coisa.
Serve pra aumentar a intolerância religiosa quando pregadores nos fazem madrugar no frio, apenas pra nos dizer que o inverno é uma invenção divina, cujo objetivo é garantir que a Terra não vire churrasquinho sob o Sol. E todo esse malabarismo estelar única e exclusivamente pelo bem da humanidade, o bando de macacos mais mequetrefes do planeta.
O inverno é bom pra memória. Serve pra lembrar de abastecer o tanquinho de gasolina do carro a álcool. Pena que você só se lembre da existência do tal tanquinho na manhã quando o carro se recusa a pegar. E lá vai você de táxi, rumo ao posto mais próximo.
Mãe é mãe e a natureza é a mãe que projetou todas as mães, então não é de se estranhar que ela nos trate como meninos magrinhos, que precisam engordar, especialmente no inverno. Engordamos por falta de exercício, excesso de comida, obediência filial e outras desculpas.
Inverno serve pra descobrir que o edredom velho mofou por falta de uso. Serve pra tentar lavá-lo em casa, quebrar a máquina com ele, descobrir que o tecido ficou imprestável, que o enchimento saiu nadando. Aí você compra um edredom novo e leva um baita susto ao sentar, sem querer, em cima do seu gato de estimação, que subiu na cama e se escondeu pra dormir bem em baixo do bendito edredom.
Edredom é fashion. Quase tão fashion quanto as escravas da moda que aparecem pelas ruas no inverno. Elas usam short com meia-calça e sandália. Complementam o atentado ao bom senso com uma camisa de renda sob colete de pelo fake. Passeiam assim, em festas ao ar livre. Quase congelam pra seguir uma tendência vinda de países mais frios que o nosso, mas que utilizam aquecimento em suas casas e edifícios.
Os homens também não ficam atrás em termos de contra-senso. Muitos, preocupados em demonstrar virilidade e juventude, recusam-se a usar roupa de frio. Esse hábito de relacionar o uso de casaco a velhice e fraqueza tem uma origem triste: os pobres, que não podiam vestir-se adequadamente, preferiam fingir que não sofriam com o inverno, a admitir que passavam necessidade.
O inverno é ótimo pra engordar se você tem comida à vontade e passa frio. A mãe natureza sabe que você está sofrendo e o obriga a comer muito. A moda atual engorda. Estou me referindo apenas à moda humana porque a moda canina é quente. Os cães saem de casa com coletes à prova de nevasca. Alguns parecem esquimós. Até os cães pobres ficam um charme com suas roupinhas feitas de cobertor velho.
Meus programas favoritos no inverno são ir à Minas Fest, pra tomar caldinho de feijão e chá de amendoim, e fazer happy hour na sorveteria, pra tomar chocolate quente e comer pizza. Sim, as sorveterias precisam diversificar pra sobreviver. Hibernar é um luxo perigoso numa economia que teme resfriados.
A autora:
Carla Ceres é escritora modesta e talentosa. Modesta porque não quer que elenquemos aqui os seus cursos, títulos e inúmeros prêmios literários. E talentosa… Bem, óbvio! Pela crônica acima já dá para perceber!
No Diário do Engenho, Carla Ceres escreve sempre na terceira semana de cada mês.
Acompanhe também os textos da autora no site do Digestivo Cultural: http://www.digestivocultural.com/colunistas/
(Ilustração da crônica: http://dlemoshotel.blogspot.com)
kkkkk Alê, esse cachorro tá o máximo!
Ai, finalmente alguém que me entende qdo falo que “frio não serve pra nada”! Bom, eu tava errada, a Carla provou que “até que serve”!!! Huahuahuahuhaa
Adorei o texto. Está aí a finalidade do frio para todos nós. E eu que só pensava que frio era pra matar a gente congelado rsrs. Parabéns, querida Carla. Adoro suas escritas…sempre. E o Alê caprichou na imagem! Adorei rsrsrs. Beijos. Au revoir.
Ótima crônica. Aqueceu os “tiritantes” (gostei dessa palavra) que se aprazem lendo textos de qualidade. Feliz cidade é Piracicaba por ter Carla Ceres entre os seus.
Obrigada, Bel e Natália! Bom saber que vocês também adoram congelar. 🙂 Beijos!
Antes não passar frio a querer bancar o viril… Ah, curti o cachorro também! Bjs.
Obrigada pela força, Regina é Érico! Beijos pra vocês!
Interessante e sugestiva sua crônica… Particularmente gosto do frio… penso que o inverno nos possibilita maior disposição para o pensar… o clima tropical talvez não seja o mais apropriado à concentração… por isso gosto da instrospecção dos dias frios…
Com os melhores cumprimentos,
Adelino F. Oliveira
Olá Carla, que tudo permaneça bem contigo!
Como sempre um belo texto escrito por você. Apesar de discordar que o inverno seja tão malvado assim, pois eu apesar de nascer em um estado que não faz frio, e morar em uma cidade que o frio passa sempre tão distante!
Talvez eu faça parte daquela pequena parcela de pessoas que nasceu pra contrariar, não sei, fato é que gosto do verão, porém adoro o inverno e fico contando os dias até ele se apresentar onde estou!
Ei pessoal, ainda assim me considero um sujeito normal, dentro de todas as excentricidades da raça humana!
Parabéns a esta coluna das crônicas por tão belos textos postados e aos escritores que aqui postam!
Que você Carla e todos ao redor sejam felizes deveras! Abraços e até mais!
Muito obrigada, Adelino e Sotnas! Do jeito que o planeta anda maluco, vai ter tempo pra todos os gostos no mesmo dia. Teremos até nevascas de verão. rsrsrs Abraços!