Sentir dor definitivamente não é normal. Apesar disso, impressiona o quanto ela se faz presente no dia a dia das pessoas, a ponto de comprometer a qualidade de vida de muitos de nós! E eis que vêm a público duas importantes iniciativas que, em paralelo, buscam conferir mais recursos aos profissionais da saúde e também oferecer a uma parcela da população um instrumento mais imediato de acesso a informações sobre a dor e suas terapias possíveis.
De um lado, acaba de ser lançando um amplo e completo compêndio sobre dor, o Tratado de Dor Neuropática, produzido pela Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Em sua coordenação editorial esteve a dra. Mariana Palladini, médica anestesiologista e docente da pós-graduação de Dor e Medicina Intervencionista do Hospital Albert Einstein de São Paulo. A robustez do projeto se justifica. “O médico de dor precisa diagnosticar o tipo de dor (se nociplástica, neuropática, nociceptiva ou ainda mista), pois cada uma gera tratamentos diferentes”, declara Palladini – e a complexidade deles e dos recursos exigidos não é pequena. O tratado surge, assim, “para que, no Brasil, se possa mudar o ponto de vista em relação à dor e para fomentar um estudo amplo que tal campo exige”, completa ela.
Em suas quase 1,2 mil páginas, que levaram dois anos para serem produzidas, a publicação compila de maneira abrangente os conhecimentos mais atuais sobre a dor neuropática, sua investigação clínica, diagnósticos, prevenções e tratamentos a partir da visão de dezenas de especialistas. O trabalho teve como editoras-chefe as médicas Anita Perpetua de Castro e Lia Rachel Pelloso, compondo, ao longo de 122 capítulos, material de consulta e adoção indispensáveis para os mais diversos profissionais comprometidos com os cuidados da dor.
O Tratado de Dor Neuropática contempla um olhar profundo da dor neuropática – aquela que tem sua ocorrência após uma doença ou lesão do sistema somatossensitivo –, tanto em seu aspecto clínico quanto intervencionista, ou seja, de seus procedimentos. “Do ponto de vista epidemiológico, a prevalência dessa dor é de 8% na população geral”, revela Palladini. “Portanto, isso tem grande responsabilidade na queda da qualidade de vida dos pacientes, além de alcançar ampla repercussão social, sobretudo nas atividades profissionais.”
Projeto social – A segunda iniciativa traz como meta alcançar um público mais abrangente e proporcionar a ele resultados práticos mais imediatos. Trata-se do 1.o NoPain, evento online que se dará nos quatro sábados de outubro próximo, com acesso gratuito a todos os interessados. Ele foi pensado para difundir, em uma linguagem acessível, a percepção de que a dor, além de não ser algo natural em nossas vidas, tema finalidade de proteção, ao nos alertar de que algo não está bem. Com isso, toda dor tem e cabe receber o tratamento devido.
Coordenado pelas médicas Alexandra Raffaini, Aline Gonçalves e Mariana Palladini, e com o apoio da SBED e da Sociedade Brasileira de Edometriose (SBE), os encontros ocorrerão durante quatro dias, em atividades abertas a profissionais e ao público em geral. O 1.o NoPain terá como foco os diversos tipos de dor, sua cronificação e causas, seus tratamentos e, nisso, a significância do uso de terapias multiprofissionais. De modo a melhor atender às particularidades dos participantes, também haverá espaço para perguntas do público aos expositores.
No total serão apresentadas trinta aulas curtas com distintas abordagens de especialistas em dor. Entre outros assuntos teremos: diferença de dor aguda e crônica; quando procurar um médico de dor; canabidiol, do que se trata?; sexualidade e dor na relação sexual; dor muscular incapacita?; dor pélvica crônica; uso de anticonvulsivantes e antidepressivos; endometriose, dores na coluna e neuropática; cuidados: medicamentos, bloqueios e cirurgias. (Veja abaixo as indicações para inscrição).
A escuta da dor – A relevância a ser dada à dor na formação de profissionais de saúde – e ainda na popularização do seu trato–pode ser medida no fato de ela ser o nosso quinto sinal vital, junto com pressão, oximetria, pulso e temperatura. Um reflexo dessa conscientização está na constatação de que, hoje em dia, uma das primeiras perguntas feitas a quem dá entrada em um bom hospital é justamente sobre o nível de dor que sente o paciente.
Quanto à perspectiva multidisciplinar nos tratamentos de dor, de certo o envolvimento de psicoterapias deve ser incluído. É do lugar da psicanálise, por exemplo, que se dá a escuta a cada indivíduo na relação subjetiva entre corpo e psique, especialmente porque o método freudiano ressalta o inconsciente como constitutivo do sujeito do desejo que somos. Identificando que cada um reage e lida desde sua singularidade com o adoecimento – bem como com o percurso que nele deságua–, o tratamento analítico proporciona uma abordagem do paciente que não olha o doente, mas esse sujeito em sua subjetividade.
Quando relações entre psique e corpo, cada vez mais frequentes, resultam em quadros orgânicos, a psicanálise pode acolher o paciente para a escuta da dor oriunda dementes e corpos enfermos. Em última instância, seu método sustenta a fala e a escuta transformadoras na construção de um sentido no lugar da dor emocional, muitas vezes diretamente vinculada à dor física.
A conferir:
Tratado de Dor Neuropática. SBED, Dra. Mariana Palladini (coord. editorial). Ed. Atheneu, 2021, 1.176p., 21cm X 28cm, 2,8kg. No site da Livraria Luana (livrarialuana.com.br), que tem o preço mais em conta: 516 reais, em 10 vezes.
1.o NoPain: nos sábados de 9, 16, 23 e 30 de outubro. Apoio da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor- SBED e da Sociedade Brasileira de Edometriose-SBE. Programação completa e inscrição gratuita: :https://www.nopain2021.com.br/] ou (11) 9 6641-8073.
Heitor Amílcar é psicanalista membro do Inst. Vox de Pesquisa em Psicanálise(SP).
Parabéns! Gostei muito da abordagem!