Sou do tempo em que “evangélicos” eram minoria. Não nos declarávamos abertamente, somente quando nos perguntavam diretamente ou quando nas celebrações públicas deixávamos de participar de um ou outro ritual. O curioso é que, quase sempre, éramos destacados como referência moral, ética por onde andávamos. Na igreja, os ensinamentos nunca focavam o proselitismo como ênfase, pelo contrário, isso era secundário, éramos chamados a uma vida honesta, coerente com o exemplo de Cristo. O tempo passou e a Igreja “Evangélica” cresceu. A chegada do Neopentecostalismo ressignificou muita coisa e reorganizou o jeito de pensar do protestantismo de forma diferente de antes. As Igrejas se transformaram em agências de apoio e motivação, desenvolvedoras de estratégias, escolas de empreendedorismo, voltadas à promoção de sucesso pessoal, deixando de lado o sentido comum, comunitário.
Para mim, o que mais marcou essa transformação foi a palavra de um bispo, quando trabalhava em uma universidade confessional, dizendo que meu dever ali era angariar adeptos para a Igreja proprietária da Universidade, diminuindo a tarefa do cuidado pastoral ligada à promoção de ética e justiça, que fazia mais sentido para mim. É claro que precisei com o tempo me afastar da função, afinal nunca me senti chamado para ser gerente de uma igreja que só pensa em números. Mas a partir daquela fala uma pergunta ecoou forte dentro de mim indagando se, de fato, todas as pessoas do mundo fossem “evangélicas” o mundo seria melhor. Na verdade, esse incômodo sempre permeou minha vida pastoral. Lembro quando o repórter de uma emissora de TV da cidade em que pastoreava me ligou fazendo algumas perguntas para ajudá-lo a compor uma matéria sobre o crescimento expressivo de evangélicos em relação aos católicos e então ponderei sobre o que esse crescimento todo refletia na vida da sociedade, em crescimento de atos de justiça, paz, honestidade e bondade. Continuo pensando nisso o tempo todo. Há hospitais evangélicos, escolas, faculdades, creches, casas de repouso, redes de televisão, rádios, podcast’s, youtubers, sites, prefeitos, vereadores, deputados, senadores e até presidentes que levantam a bandeira dos “evangélicos” – e o que isso melhorou a sociedade? Perceba-se a maior potência mundial, o país mais “evangélico” do mundo, que elegeu um presidente dito “cristão”, que defende a família, tira foto com a bíblia na mão. Quais são suas atitudes? Onde está sua ética com o cristianismo? Em que medida as pessoas de lá, e também de cá, são mais humanas, bondosas, honestas, sem falar na falta de atitudes como misericórdia, mansidão, compaixão.
Infelizmente, o nosso tempo é a prova de que o mundo não seria melhor se todas as pessoas do mundo inteiro fossem evangélicas, mas seria bem mais humano se todas fossem verdadeiramente cristãs, independente da confissão religiosa professada, dedicadas à fraternidade, ao respeito, à promoção da igualdade, pensando nos outros como pensam em si mesmas. Na verdade, o maior propósito do Cristo era o de nos salvar das mazelas humanas, da indiferença, da maldade e da soberba, coisas que, infelizmente, nenhuma religião conseguiu. A luta entre o mal que habita em nós, nos individualizando cada vez mais, e a bondade que nos faz solidários e próximos é o grande desafio pregado por Jesus.
Por isso, mais que religião, precisamos ser adeptos da bondade como estilo de vida. Isso sim salva pessoas, isso sim muda o mundo do exclusivismo, da indiferença, da fome, da pobreza, para um lugar com pessoas de alma, ou seja, verdadeiramente humanas e próximas de Deus.
Nilson da Silva Junior é doutor em Educação, mestre em Ciências da Religião, pastor metodista e professor.