O poeta baiano do século XIX, Castro Alves, escreveu em sua poesia Vozes D’Africa:
“Deus, ó Deus, onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela Tu te escondes embuçando nos céus? Há dois mil anos te mandei meu grito, que embaldes, desde então, corre infinito.. Onde estás , Senhor Deus?”
Este, com certeza, é o sentimento de toda aquela pessoa que esta sofrendo com as consequências dessa mortal pandemia. Mas pergunta que se faz é: Deus é o culpado?
O texto bíblico do Evangelho Segundo Mateus vai relatar uma situação no capítulo 22, na qual Jesus Cristo é indagado sobre a responsabilidade civil dos cidadãos frente sua obrigação financeira para com as questões religiosas (digo, junto à religião judaica naquele momento histórico), quando perguntaram para Jesus se os judeus daquele tempo deveriam pagar impostos ao imperador romano (representando as questões humanas) ou pagar o dízimo para o templo judaico (representando as questões transcendentais). Jesus Cristo responde de forma curiosa e reflexiva:
“Daí, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.”
A reflexão que se deve fazer é que as questões humanas devem ser resolvidas pelos humanos, pois é responsabilidade humana lidar com suas demandas. Nesse sentido, e falando como clérigo cristão, referente a esta pandemia letal, diria que a culpa não é de Deus, mas sim do ser humano – pois:
- Este vírus é fruto do fato de termos ferido a terra, assim a natureza está reagindo às agressões que fizemos a ela;
- Nós poluímos o ar, poluímos os rios, poluímos os mares;
- Destruímos as florestas, destruímos o pantanal, destruímos os cerrados, destruímos as matas;
- Emitimos toda sorte de radiações eletrônicas, químicas e nucleares;
- Abusamos do uso dos agrotóxicos.
Isso tudo provocou uma reação microcósmica no planeta, resultando em um vírus que é mutante, e isto se deve ao nosso ataque às espécies. Tivemos uma matança sem precedente de animais, acabamos com as predações naturais. Se pegarmos o exemplo aqui no Brasil, como a tragédia de Mariana e Brumadinho que destruíram o bioma do Rio Doce, veremos que isso provocou a morte de sapos e, consequentemente, as moscas que transmitem a febre amarela ficaram sem predador, o que possibilitou que a febre amarela silvestre chegasse novamente aos centros urbanos.
A forma capitalista que a sociedade atual decidiu viver agride de forma violenta a natureza – e isso possibilita o surgimento de um vírus mortal, mutante e complexo.
Trazendo Deus para nossa história, diria que, a partir de minha perspectiva cristã, Deus está nos consolando a partir de algumas ações humanas. Creio que:
- Deus nos consola com o trabalho da ciência.
- Deus nos consola com o trabalho da medicina.
- Deus nos consola com o exaustivo trabalho dos cientistas, tentando descobrir uma vacina para combater o Coronavírus
- Deus nos consola a partir da orientação da ciência em como devemos nos comportar diante dessa pandemia para evitar um maior contágio.
Deus nos consola diante da existência, da injustiça e da morte. E isso nos possibilita a nos movimentarmos na história contra maldade. Então, devemos ser cooperadores de todos aqueles que estão lutando pelavida, praticando ações de consolações – seja distribuindo kits de higienização, alimentos, cooperando com as ONGs sérias, que estão fazendo um árduo trabalho.
É responsabilidade humana estar com as pessoas que estão vulneráveis psicologicamente nessa quarentena, pois isolamento não precisa ser solidão. Portanto, ligue para seus parentes, amigos, diminua esse drama da solidão em meio ao flagelo que estamos vivendo.
Por isso, é estranho e nojento quando ouvimos e vemos manifestações contra a ciência, pedidos de reabertura de empresas, igrejas, parques. Isto não colabora com a vida, isto colabora com a morte.
Agora é momento de se deixar cuidar pela ciência, se deixar cuidar pelos médicos, pois eles que sabem o que fazer diante desta mortal pandemia. Diante dessa angustia de perdas em relação à pandemia , chore. Não tente ser forte diante da dor que está sentindo, não é hora de achar que não aconteceu nada, chore, desabafe. Como eu disse, esta epidemia não é juízo de Deus, é resultado de nossa equivocada maneira de ser em sociedade.
Este flagelo vai passar, mas pergunta que agora se faz é: será que vamos querer que tudo volte ao normal pré-pandemia? Ou vamos rever nosso comportamento social, sendo solidários, fraternos e empáticos.
Saúde e Paz!
Fleides Teodoro de Lima é professor de Economia e Gestão no Instituto Federal de São Paulo – Campus Capivari. É Reverendo e Teólogo na Igreja do Nazareno.