Calendas

Calendas

É inevitável para o ser humano contar coisas, objetos, eventos, controlar a natureza ao redor devido à necessidade de sobrevivência. Graças a essa busca, surgiram as Matemáticas (Pura e Aplicada), houve o desenvolvimento das Ciências da Natureza (Química, Física, Biologia e Astronomia) e, em paralelo, a evolução de conceitos morais por meio do simbólico. Nesse texto, abordo um pouco sobre a origem dessa busca, os mitos conhecidos, e uma interpretação pela abordagem junguiana.

Da necessidade de controlar o tempo para o desenvolvimento da agricultura surge o conceito das calendas. O antigo calendário romano tinha o primeiro dia de cada mês com a ocorrência da Lua Nova, daí a interpretação dessa lunação como o início de novo ciclo. A partir desse primeiro dia, havia três dias fixos: as calendas, as nonas (quinto ou sétimo dia, de acordo com o mês) e idos (13.º ou 15.º dia, conforme o mês). A expressão “nos idos de setembro”, ou meados, provém dessa marca de tempo, e expressa a data para a segunda metade do mês. De calendas origina o calendário e a expressão calendas gregas, representando um dia que jamais chegará, pois era inexistente no calendário grego.

A mitologia grega tem em Chronos (Saturno, para os romanos) o pai do tempo, e nas Horas as subdivisões do tempo. Filhas de Zeus e Têmis, as Horas (do grego antigo Ὧραι, transl. Hôrai, ‘estações’; em latim: Horae) constituíam, na mitologia grega, um grupo de deusas que presidiam sobre as estações do ano. Elas são as porteiras do Monte Olimpo, e personificavam a ordem do mundo, sendo originalmente três: Eunomia (Εὐνομία, “legalidade”) representa a legalidade, a boa ordem, as leis cívicas; Irene (Εἰρήνη, “paz”) representa a paz; Dice (Δίκη, “justiça”) representa a justiça. Têmis e Dice elucidam o lado ético do instinto, a voz miúda e calma no seio do impulso. Dice pode ser interpretada como a função de base instintual, em sintonia com oinstinto para reflexão.

As guardiãs da ordem natural passou de três a nove, dez ou doze deusas, do ciclo anual de crescimento da vegetação e das estações climáticas anuais. Já as Horas que personificam as quatro estações do ano, filhas e companheiras do deus-sol, Helios, são: Eiar (Εἶαρ), primavera; Teros (Θέρος), verão; Ftinoporão (Φθινόπωρον), outono; e Quimão (Χειμών), inverno.

As Horas que personificam as horas do dia, filhas e companheiras de Chronos, são:

  1. Auge (Αὐγή), a hora da alvorada;
  2. Anatole (Ανατολή), a hora do nascer-do-sol;
  3. Musique (Μουσική), a hora da música;
  4. Ginastique (Γυμναστική), a hora do atletismo;
  5. Ninfe (Νυμφή), a hora do banho;
  6. Mesembria (Μεσημβρία), a hora do meio-dia;
  7. Esponde (Σπονδή), a hora da ligação;
  8. Elete (Ηλετή), a hora da oração;
  9. Acte (Ακτή), a hora da refeição;
  10. Hesperis (Ἑσπερίς), a hora do entardecer;
  11. Disis (Δύσις), a hora do pôr-do-sol;
  12. Arctos (Άρκτος), a hora da noite.

Que aspectos esses mitos podem representar no viver do ser humano?

Certo é que temos tempo para tudo, como assim reflete o escritor bíblico (Eclesiastes 3, 1-15), e aproveitar bem as horas do dia e suas nuances é uma dádiva reservada para poucos que se dedicam a essa observação. Ver as Mãos de Alguém Maior, qualquer que seja o nome que se denominem nas diferentes culturas e religiões, atuante e presente em nossas vidas, permite refletir sobre as nossas relações com o próximo, com nossos pecados, como pecadores que se colocam na posição de inferiores ao Criador e que procuram redimir seus precatórios, em tempos de precária situação moral, social, econômica, e até de esperança.

Devemos ser bem diferentes de cobradores ou legisladores que, superiores a tudo e a todos, posto que pensam que podem por mais um no já posto reto do povo, são mesmo impostores que não levam em conta outra frase do mesmo escritor bíblico, vanitas vanitatum et omnia vanitas. Tais personagens devem conhecer o significado da expressão “ad kalendas graecas soluturos” (“aqueles que pretendem pagar nas calendas gregas”). Ela é atribuída por Suetônio, em Vida dos Césares, ao imperador Augusto, que a teria usado frequentemente para indicar aqueles que não pretendiam pagar suas dívidas, seus precatórios.

“Pai, perdoai as nossas dividas, e, também livrai-nos do Maligno.”

Assim ensinou o Mestre. Que nossas dividas materiais sejam pagas com nosso trabalho, com nossa superação dos momentos difíceis, dentro das nossas possibilidades e, principalmente, com a Graça de Deus.

Já outros, que conheçam certa frase de uma música de Roberto Carlos…

Gita!!!

 

 

Antonio Carlos Silvano Pessotti é apaixonado pelo canto gregoriano e litúrgico-histórico, é tenor – pós-doutorando em física-acústica pela USP, doutor e mestre em linguística pela Unicamp e bacharel em canto, também pela Unicamp.

2 thoughts on “Calendas

  1. …e um dia o homem deixou de observar a natureza, da qual provêm as datas, estações do ano, luas… e tentou então dominá-la. Amparado pelas superstições e crendices, acreditou que o mero destacar de um papelzinho do calendário, ou virar-lhe a página, faria mudar o ciclo das coisas transformando-as em “Adeus Ano Velho, Feliz Ano Novo “…

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