Cale a boca já morreu

É curioso notar como o advento da mídia online reacendeu na classe política, como um todo, o desejo de censura. A liberdade de expressão e a pulverização maciça e imediata da opinião e dos fatos – seja por parte do cidadão comum, seja por parte da imprensa especializada – expuseram os políticos a uma vitrine perigosamente demolidora. No plano internacional, a velocidade da informação no meio virtual e sua abrangência quase universal também trouxeram à tona muito da sujeira acumulada debaixo do tapete dos grandes escalões do poder político de variados países. Força nunca antes vista, postagens online conseguiram unir pessoas em torno de ideias de justiça capazes de derrubar sangrentas ditaduras em territórios dantes nunca violados – e colocaram em alerta os poderosos que, em torres de marfim, viram-se ameaçados por movimentos populares inesperados e até mesmo fatais.

O que teria sido, por exemplo, da primavera árabe se não fosse o poder avassalador da rede mundial de computadores? Quanto da sórdida política internacional só foi revelada ao mundo porque alguém teve a coragem de criar um site chamado WikiLeaks? Como não considerar a importância da mídia online e das redes sociais na difusão de casos de corrupção em nosso país, como o tão propalado “mensalão”? Por outro lado, é notável observar também como ganharam força as campanhas políticas e seus respectivos debates e desdobramentos veiculados via Twitter e Facebook (Barack Obama, seja dito, soube como poucos valer-se da internet para atingir o coração de seus eleitores, especialmente em sua primeira campanha). Incontrolável, a informação cibernética prima por preservar – até certo ponto indevidamente – a pessoa por trás da mensagem, dando-lhe a segurança necessária para expressar-se sem medo de perseguições e revides – tão comuns de serem sofridos por quem veicula suas ideias em suportes impressos. Perigo declarado na mente de covardes e boçais, por outro lado é a internet uma arma letal contra os ditames da opressão e da omissão da sociedade em relação ao que acontece à sua volta.

Não à toa, políticos do mundo todo – incluindo aí os de nosso país, é claro – estudam maneiras de controlar e cercear aquilo que se despeja diariamente de conteúdo na web. Ao tentarem censurar o material produzido por amadores ou profissionais, os governos querem voltar a se preservarem dos inúmeros arranhões que a vida pública de cada um deles pode sofrer na rede mundial. Nesse sentido, vale dizer que até mesmo em nossa cidade – tupiniquim em suas relações e formas políticas – muitos vêm procurando na lei (que obviamente não dá conta de legislar sobre boa parte do que se mostra online) um respaldo que permita inibir ou mesmo coibir o povo e a imprensa de expressarem o seu desejo e inconformismo na grande rede (e também em jornais impressos, diga-se de passagem). Afinal, movimentos como o “Reaja-Piracicaba,” por exemplo, ao ganharem força na internet, colocam sob suspeita a aura dourada da política piracicabana. E, por conta disso, surgem agora ameaças da abertura de processo judiciais contra os “revoltosos.”

Espaço aberto a todo tipo de mensagem e crítica – seja a fundamentada em fatos concretos ou a absolutamente pautada em ofensas e mentiras – é fato que o mundo da web e de suas redes sociais nem sempre caminha pela trilha da verdade e da justiça. Por isso mesmo, crimes cibernéticos envolvendo – sobre tudo – sexo, calúnias, injúrias e difamações devem ser punidos com rigor da lei comum. É evidente. Mas censurar a livre expressão  de quem quer que seja (em especial no tocante a questões e opiniões políticas) é uma ação tenebrosa que lembra os cruéis anos de chumbo da ditadura. E a História está aí para, ao nos mostrar o passado, nos auxiliar a projetar nosso futuro, basta olhar para ela e estudá-la mais atentamente. Pois, quando puxamos pela memória e descortinamos a esteira dos tempos cinzentos da opressão militar (no Brasil, na Argentina, no Chile e por aí afora), relembramos também o fechamento de inúmeros jornais e a perseguição e morte de tantos jornalistas e repórteres. Infelizmente, é imperativo que se diga – e as ditaduras mostraram isso – que o combate à imprensa não é novidade – nem exclusividade de nosso país.

Pelo viés da memória, no entanto, sempre é muito reconfortante lembrar que o “cala boca” da ditadura há muito já morreu. Ditadura nunca mais! Por isso, se os políticos do mundo todo se sentem ameaçados pela rede mundial de computadores, que façam também uso dela para expressarem seu ponto-de-vista e defenderem democraticamente suas opiniões e ações (sites como o Diário deixam permanentemente aberto um espaço para a manifestação de seus leitores. Quem não concordar com algo do que aqui se diz, pode e deve responder aqui mesmo no site, logo ao final dos textos!). Mesmo porque, quem age na verdade e com justiça não tem o que temer. Mas parece que muitos (especialmente em nosso mundo latino-americano) ainda não querem aceitar isso.

2 thoughts on “Cale a boca já morreu

  1. As pessoas de bem, que têm consciência e comprometimento sociais, crítico posicionamento político, não poderiam ter suas vozes caladas. Deveriam ser ouvidas com o respeito que seus direitos de cidadão lhes garantem, e com a certeza que têm muito de bom a agregar. Censura, não. Legislação adequada para os que usam a mídia, a web como instrumento para praticarem seus crimes.
    Reflexão lúcida, abrangente, corajosa. Parabéns, senhor editor.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *