A bunda que nos redime

A bunda que nos redime

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As “desprovidas de” que me perdoem, mas – no Brasil – a bunda é fundamental. Coisa mais linda, mais cheia de graça, a bunda bonita que vem e que passa num doce balanço a caminho do mar já foi cantada e louvada até mesmo pelos geniais Tom e Vinícius – dois dos maiores olheiros de bundas praianas que o país já teve. Na TV, a bunda – transformada em mercadoria – ganhou espaço até mesmo em propagandas de cerveja; sendo que mais nenhuma cerveja que se preze deixa de aparecer nas telinhas sem exibir uma boa bunda por perto.

No cinema, Selton Mello e Paula Braun trouxeram para a telona uma película genial, O Cheiro do Ralo, que tinha na bunda o seu tema central. Aficionado pela bunda de uma garçonete – interpretada por Paula – o protagonista da trama planeja suas ações para poder adquirir, não sem desembolsar uma boa grana, a bunda-mercadoria da moçoila avantajada. Mais do que um tema, em O Cheiro do Ralo a bunda tornou-se uma personagem (e que personagem!) a conduzir o enredo.

Mas nem só de cinema, cerveja e canto vivem os bundófilos de plantão, pois a bunda sobrepujante abundantemente se avoluma também nas ruas, nas praças, nos sambódromos, nos blocos, nos bares, nas praias, nos clubes. Em nosso país, a bunda é tão reverenciada que ganhou até mesmo ditados que lhe fazem jus. Afinal, o que melhor traduz a orgulhosa Raimunda (aquela, feia de cara e boa de bunda)? E como recusar a força de adágios (menos provocantes, mas também glúteos) como: “quando a água bate na bunda é que a gente aprende a nadar” e “nasceu com a bunda pra lua”.

paolla-oliveiraEste semana, para variar, a bunda não ficou de fora dos principais comentários que enchem este país de orgulho. Recorde absoluto nas redes sociais, a bunda de Paolla Oliveira – na nova minissérie sem graça da Globo – subiu ao topo mais volumoso dos trending topics do Twitter e encheu o Facebook de uma avalanche de imagens viralizantes que reproduziam sua radiante aparição em um dos episódios de Felizes para Sempre? Na web, hipnotizados homens e mulheres – sim, muitas e muitas mulheres – não pouparam polpudos elogios à polpa pomposa das nádegas de Paolla.

Vencendo a força de noticiários desastrosos – que escancaravam escandalosos casos de corrupção na Petrobras e anunciavam a São Paulo sua eminente desertificação, provocada pela falta de chuvas e, em especial, pela falta de planejamento e competência dos políticos que governam o estado há mais de duas décadas –, a bunda de Paolla parece que apascentou a todos. Se, antes da decadência de nossa seleção brasileira, eram o futebol e bunda os principais ópios de nosso povo, agora – ao que parece – restou-nos apenas a bunda, com toda sua força, a sufocar os problemas que urgem serem seriamente discutidos pelos cidadãos.

A bem dizer, talvez a bunda que nos redime seja, no entanto, um espelhamento natural que transcende, em muito, a esfera do desejo. Ao ver que – nas redes sociais – a bunda venceu os escândalos políticos e suplantou manchetes avassaladoras e terrivelmente proféticas, aclara-se aos mais atentos a ideia de que a louca atração de nosso povo pelas insinuantes nádegas de Paolla tenha se dado, mesmo, por identificação. Afinal, no eterno jogo entre bundas e escândalos, o que sobra sempre, explicitamente pornográfica, é a nossa cara embasbacada, a nossa perene e exibicionista cara. A nossa cara de bunda.

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Alê Bragion é editor do Diário do Engenho

2 thoughts on “A bunda que nos redime

  1. Acredito que o problema nem seja em mostrar a bunda, mas sim na leitura que se tem disso. Não é que a bunda apazigua as pessoas, são as pessoas que se deixam apaziguar pela bunda naquela reação que beira o infantil, como a criança que abre o livro de ciências e vê o desenho de um pênis e de uma vagina:

    – Aiii hihihihi!!! PIPI! Noooossa! Hihihihi.

    Como se ninguém que assiste a série tivesse visto uma bunda antes.

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