O melhor de tudo foi ver o dia amanhecer. Ele era noturno, coruja. Gostava de viver na noite, inspirar-se nela, em seu silêncio, sua tranquilidade. Gostava de trabalhar, chorar, sorrir, pensar, fantasiar, divertir-se, fugir, sofrer, repassar. Tudo à noite, na solidão escura e serena. Passando o dia ou a noite do jeito que costumava, poucas vezes deparava-se com o amanhecer.
O amanhecer o encantava. Encantava-se com o céu resplandecente, clareando-se, as nuvens preguiçosas tocadas pelo brilho dourado do sol. Nessas horas, as nuvens cinzas dão um pouco de licença poética à majestade irradiante do sol e põe de lado a amargura. Tornam-se azuis, fosco douradas, rosadas, coloridas feito algodão doce.
Rendem-se nas cores como crianças e deixam-se pintar arco-íris no melindre das manhãs escondidas, bom-dias e cafés indo passando. Sonolentas, arrancando ramelas e cabisbaixas, as pessoas não notam suas formas doces e seus disfarces de objetos animados. E ao comprar o pão, trocar a roupa e escovar os dentes, ninguém olha para o céu. Depois, no carro ou na tristeza pacata e dura do ônibus, ninguém percebe as cores e formas diluindo-se.
Quando ele via o amanhecer, reparava os raios de sol e as tonalidades mais belas do dia. Sentia ganas de correr para ver mais, de diferentes ângulos. Intrigava-lhe a luz insistente que penetra sorrateiramente pelas frestas, pelos buracos, fechaduras, emendas, entre-janelas, fios de cortina. E, mesmo com tudo fechado, como as paredes escuras se tornavam mais claras.
Devagar e constante, a luz invade. Contemplava o amanhecer inevitável com curiosidade. O presente de estar acordado ainda até o dia clarear ou acordar tão cedo que podia notar os primeiros raios de sol, consistia na beleza das cores, no dégradé dos elementos, na mistura de tons.
Pouco a pouco, o amanhecer dilui-se em manhã, as nuvens fazem reverência ao mestre sol e seguem destino, respeitosamente liberadas para seguirem seus caminhos e carregarem suas lágrimas.
As matizes de cores já não se podem ver, os tons se unirão no azul indelével da agora manhã, os raios se misturam ao ar de mais um dia, buscas, contratos, cafés, desencontros, desolhares, deslocais, desordens, desdéns, desenvolvimento.
Quando os olhos comuns das pessoas libertam-se de lamúrias matinais, procurando liberdade no desconhecido, o firmamento cobriu-se por inteiro da áurea saudação á vida.
A ele o amanhecer inspirava e encantava. Depois de suspirar, podia finalmente abaixar os olhos como quem agradece, e os fechar, para então dormir.
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A autora:
Ellien Saccaro é jornalista. Dentre suas produções e inúmeros trabalhos, destaca-se um belíssimo estudo sobre o dia-a-dia das parteiras do Maranhão.
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Estimada Ellien,
Ao ler seu belo texto fui sendo tomado pela necessidade e vontade de contemplar mais amanheceres… O o amanhecer nos inspire novos tempos, tomados por leituras tão sugestivas… É bom encontrá-la neste espaço…
Esteja bem!
Que delícia de amanhecer! Adorei, querida. 🙂
Muito poético o seu texto. Como o prof. Adelino, senti-me inspirada a reparar não apenas no amanhecer, mas no que nos cerca que, mecanicamente, acaba sequer sendo olhado.
Parabéns!
Olá…
estou procurando o livro ” a vida pede passagem: o parto e as parteiras tradicionais.
onde posso encontra-lo?
estou muito interessada, pois estou me aperfeiçoando em doula e este livro me trará preciosas informações.
ficarei grata se vc puder me ajudar.
Carla Aparecida dos Santos