Olhai e Vede – por Fernanda Rosolem

  

Diálogo entre duas amigas durante uma caminhada matinal: 

_ Olha, que passarinho mais lindo! 

_ Onde? 

_ Ali, naquela árvore, ao lado da casa amarela. 

_ Que casa amarela? 

_ Aquela ali, onde tem um senhor sentado em frente ao portão. 

_ Que senhor? 

_ Ah, esquece! O passarinho já voou.  

Acordar, tomar café da manhã, caminhar, tomar banho, levar as crianças à escola, ir ao trabalho, almoçar, voltar ao trabalho, buscar as crianças, preparar o jantar, tomar banho, jantar, ajudar as crianças com o dever de casa… dormir. Esse pode ser o dia-a-dia de muitos – e outras rotinas também poderiam ser mencionadas. Então, vamos conversar sobre o assunto: “rotina.” 

Todos temos, pelo menos em um período do dia, atividades esquematizadas. Organização é fundamental, mas quando nossas ações tornam-se repetitivas, sentimo-nos como em um filme da sessão da tarde: é sempre a mesma coisa! 

A rotina desmotiva. Não somente em relação ao trabalho, mas também nos relacionamentos. Ela limita o ser humano a hábitos diários, estagna, transforma em mecânico o que deveria ser poético. 

 Encontramos no dicionário a seguinte definição: rotina – “hábito de fazer uma coisa sempre do mesmo modo, mecanicamente; repetição monótona das mesmas coisas; apego ao uso geral, sem interesse pelo progresso”. Você consegue imaginar uma vida sem progressos? É claro que determinados hábitos são fundamentais como, escovar os dentes, tomar banho, comer, dormir, entre outros. Talvez o que torna a rotina tão avassaladora seja o fato dela não permitir mudanças. No entanto, uma das maiores conseqüências negativas na vida de uma pessoa que se deixa levar pela rotina é não conseguir enxergar as coisas e as pessoas ao seu redor. 

A rotina nos consome a tal ponto que, muitas vezes, nem reparamos que nosso colega não compareceu ao trabalho, exceto quando então vamos pedir um favor a ele. Não reparamos que nosso pai acordou gripado, que brotou uma flor no jardim de casa, que seu irmão ficou bem de camiseta preta, que voltou a tocar na rádio sua música favorita. O que estamos fazendo que não paramos para ver o pôr-do-sol, para ler um bom livro, para assistir a um bom filme, para bater-papo com os amigos, sentados na calçada de casa? 

Olhamos para as coisas e para as pessoas, mas não as enxergamos. Quando estamos tomando banho, pensamos no trabalho; quando estamos almoçando, pensamos nas compras para casa e nos filhos; quando estamos na igreja, pensamos no churrasco do final de semana; quando estamos no cinema, pensamos nas contas a pagar. Os momentos vão se invertendo e se consumindo sem que os vivenciemos. 

Não conseguiríamos viver sem os hábitos, pois eles nos ajudam a preservar certos comportamentos adquiridos, por exemplo; mas, sem dúvida, conseguiríamos viver sem a rotina. Hoje você viu o lindo passarinho na árvore da casa amarela, onde o senhor estava sentado em frente ao portão? Se não sabe por onde começar, ouça os conselhos de quem tem muito a dizer:  

Mudança  

Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa. Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua. Depois, mude de caminho, ande por outras ruas, calmamente, observando com atenção os lugares por onde você passa. Tome outros ônibus.
 

Mude por uns tempos o estilo das roupas. Dê os seus sapatos velhos. Procure andar descalço alguns dias. Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia, ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
 

Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda. Durma no outro lado da cama… Depois, procure dormir em outras camas. Assista a outros programas de tv, compre outros jornais… leia outros livros.
Viva outros romances.
 

Não faça do hábito um estilo de vida. Ame a novidade. Durma mais tarde. Durma mais cedo. Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua.
Corrija a postura. Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes, novos temperos, novas cores, novas delícias.
 

Tente o novo todo dia. O novo lado, o novo método, o novo sabor, o novo jeito, o novo prazer, o novo amor. A nova vida. Tente. Busque novos amigos. Tente novos amores. Faça novas relações. Almoce em outros locais, vá a outros restaurantes, tome outro tipo de bebida, compre pão em outra padaria. Almoce mais cedo, jante mais tarde ou vice-versa.

Escolha outro mercado… outra marca de sabonete, outro creme dental… Tome banho em novos horários. Use canetas de outras cores. Vá passear em outros lugares. Ame muito, cada vez mais, de modos diferentes.
Troque de bolsa, de carteira, de malas, troque de carro, compre novos óculos, escreva outras poesias.
 
Jogue os velhos relógios, quebre delicadamente esses horrorosos despertadores. Abra conta em outro banco. Vá a outros cinemas, outros cabeleireiros, outros teatros, visite novos museus.
Mude. Lembre-se de que a Vida é uma só. E pense seriamente em arrumar um outro emprego, uma nova ocupação, um trabalho mais light, mais prazeroso, mais digno, mais humano. 

Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as. Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa, longa, se possível sem destino. Experimente coisas novas. Troque novamente. Mude, de novo. Experimente outra vez.
 

Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas piores do que as já conhecidas, mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda !
 

Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena! * 

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A autora: 

 

Fernanda Rosolem é jornalista, pedagoga, cantora e violonista.

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