Gosto de ir ao cinema. No cinema tem eco, mas, apesar dos pesares, gosto de ir ao cinema. E os pesares são tantos… Pra começar, o preço é salgado. Dizem que a culpa é dos milhares de falsos estudantes com falsas carteirinhas que lhes dão o direito de pagar meia. Dizem que os donos de cinema precisam descontar o prejuízo aumentando o preço do ingresso. Dizem que pega mal só eu não falsificar, pois essa mania de ética é uma forma de arrogância.
Pra continuar, a pipoca também é salgada pra burro, porque só mesmo um burro botaria tanto sal na própria pipoca, a ponto de formar uma nuvem salina quando os adolescentes desistem do filme e partem pra guerra, atirando pipoca. No cinema tem eco e os gritos de guerra ecoam no filme, estragando momentos de tédio sublime. É que o tédio faz parte da vida e da história, mas tem gente sem calma, que grita e reclama: “Vê se morre depressa! Que filme mais lerdo!”
No cinema tem eco que ecoa sozinho. A sala já sabe: depois de alguns gritos, ecoam os “Xiu!” Quando o filme começa, ecoam os “Tchii! de latinhas se abrindo. Aposto que a sala está condicionada. Se um dia a plateia ficasse em silêncio, ouviria os ruídos dos filmes já vistos.
Em toda plateia, tem gente que pensa que é o eco em pessoa e sempre repete a última fala que achou divertida. Depois não entende as falas seguintes e pergunta insistente: “Que foi que ele disse?”
Em toda plateia, tem pais insensatos que levam crianças a filmes de adultos e, quando seus filhos se assustam e choram, exigem silêncio de forma violenta. Assim, no cinema, ecoam mil traumas e medos no escuro.
Mas gosto, já disse, de ir ao cinema e ouvir a plateia com seus comentários. Fui ver “Cisne Negro”. Sentei-me bem perto de um jovem casal. A moça devia chamar-se Patrícia e ser bailarina. O seu namorado, um pedaço de anta, mas anta malhada de academia, gargalhou em cada momento dramático, ou seja, no filme todo e saiu elogiando: “Não sabia que balé era tão engraçado! Tomara que tenha continuação!” Continuação do “Cisne Negro”? Meio difícil, não?
Adoro ver filme em outras cidades. No Nordeste, as plateias são mais emotivas e se divertem abertamente. Em Recife, num trailer de filme infantil, apareceu um panda desafiando o público a olhá-lo nos olhos, sem piscar. Olhei ao redor e vi muita gente topando o desafio. Longos segundos depois, como o panda continuava encarando firme, um adulto gritou: “Pisque, urso filho duma égua!” Foi gargalhada geral.
Nos shoppings de Brasília, predominam espectadores contidos, sempre dispostos a dar mostras de sofisticação e intelectualidade. Durante “O Lobisomem”, ouvi cochichos esclarecedores sobre a licantropia na história da psiquiatria.
Os comentários mais interessantes, em qualquer lugar, vêm das crianças. Durante o trailer do filme “O Contador de Histórias”, baseado na vida do educador Roberto Carlos Ramos, os meninos vibravam ao ver aquele garotinho negro assaltar um banco junto com a mãe e os irmãos. As discussões começaram antes do fim do trailer: “Cara, se a sua mãe fosse assaltar um banco, você ia junto?” Dois garantiram que iam. “Mas e a polícia?” perguntou um terceiro. “Que nada! Minha mãe é esperta. E, no fim, o Roberto Carlos se dá bem, ele vira cantor.” Confundindo o educador com o cantor, o menino concluiu: “Eu não sabia que o Roberto Carlos também tinha nascido preto, que nem o Michael Jackson.”
No cinema tem eco. A vida de fora ecoa lá dentro. Não adiantam carpetes abafando os sons. Viver reverbera. Onde há gente, há murmúrios e linhas cruzadas. Não adiantam avisos, celulares ecoam ou vibram ansiosos. Vivemos o aqui, pensando em lá longe. Esse filme eu já vi.
Carla,
Este seu ‘filme’ ainda não tinha visto, ou melhor, lido! adorei, parabéns!
Sílvia (Safira)
Obrigada pela força, Safyra! Legal que gostou! Beijos!
Amei esse texto, também adoro cinema.
Rachei o bico com o “Pisque, urso filho duma égua!” kkkk
Olá Carla, que tudo esteja bem contigo, sempre!
Também adoro cinema, apesar das reverberações absurdas que ouve-se, é um lugar mágico que nos transporta para vários lugares e situações, nos faz rir e chorar. Faz até mesmo alguém rir com cenas dramáticas, e desejar continuação de determinado filme! Teria talvez este rapaz sérios problemas! Quem sabe!
Além de cinema gosto deveras de ler, principalmente escritos que nos faz imaginar tantas imagens, ou possibilidades. E você Carla sempre consegue postar tais escritos, assim feito este, que é muito bem elaborado, bem ao seu estilo de nos contar casos e acontecimentos, tão empolgantes, que fazem pensar!
Sendo assim desejo a você e todos ao redor infinita felicidade, abraços e até mais! E feliz e agradecido fico eu em saber que gosta de minhas visitas!