A Vitória sobre todos os males que assolam a humanidade, sobre todos os inimigos que destroem o ser humano, sempre foi desejada em todas as culturas. Na cultura ocidental, preponderantemente cristã, tem-se na frase usada por Constantino o referencial. O imperador romano, como narrativa lendária, adotou em certo momento o lema “ἐν τούτῳ νίκα”, em bom português, “com este sinal vencerás.” O historiador Eusébio de Cesareia narra essa lenda e a adoção desse símbolo em seu lábaro, ao dizer que Constantino I viu certa vez em um pôr do sol as letras gregas chi (X) e rho (P) sobrepostas, letras iniciais do nome de Cristo em grego, pouco antes da batalha da ponte Milvia contra Magêncio, em 28 de outubro de 312. Outros monarcas a usaram posteriormente, como Afonso I de Portugal, de acordo com Camões em “Os Lusíadas,” João III Sobieski da Polônia (séc. XVII) e a dinastia irlandesa dos O’Donnell de Tyrconnell (séc. V até o XVIII) que se julgavam descendentes do Império Bizantino, entre tantos outros. Certo é que os mitos anteriores já embasavam essa adoção simbólica de poder.
Nice, ou Nike, é o nome da deusa grega alada, dona de uma velocidade impressionante e denominada pelos romanos como Victoria, daí a sua versão e significado em português. Filha de Palas e Estige, ela esteve sempre junto a Atena, garantindo assim a vitória em todas as batalhas que a filha de Zeus travou. Quando Zeus travou batalha contra os Titãs, Estige e seus filhos Nice, Bia, Cratos, e Zelo, foram seus aliados. Bia era a força dos guerreiros, Cratos era o poder, Nice a vitória, porém, se alguém tinha que ser vencedor, teria que superar o ciúme, Zelo, que sempre ronda aquele que tem sucesso. Não cabe comentar aqui marcas e grifes, tirem suas próprias conclusões…
No entanto, na escultura e arquitetura, temos o período Vitoriano com seus floreios – e na Música? As árias de bravura marcam o caráter heroico do personagem nessas difíceis peças, exigindo não só preparo dos intérpretes, mas, coragem para realizá-las com a devida performance. Entre tantas, pode-se citar as árias de Cublai, gran Khan dei Tartari de Salieri, a famosa Der Hölle Rache de Mozart, várias árias da Cenerentola de Rossini, entre tantas. Enfim, é preciso coragem e habilidade para se fazer escultura com o capricho vitoriano, para se cantar e tocar árias de bravura, da mesma forma que conduzir um carro, ou outro conjunto maior de pessoas.
Habilidade, coragem, preparo: são virtudes a serem treinadas, bem distintas dos vícios que nos fazem cair em arrego, sem permitir qualquer tipo de “combinado”, de acordo, de arreglo. Ou fazemos, ou melhor apenas sonhar com os louros de Nice, permitindo apenas que o ciúme nos derrote.
Triste fim de Policarpo Quaresma…
Antonio Carlos Silvano Pessotti é apaixonado pelo canto gregoriano e litúrgico-histórico, é tenor – pósdoutorando em física-acústica pela USP, doutor e mestre em linguística pela Unicamp e bacharel em canto, também pela Unicamp.