Esta foi mais uma das intrigantes respostas dadas por Jesus a um jovem rico que lhe perguntava sobre o que deveria fazer para herdar a vida eterna. O interessante é que, primeiramente, Jesus diz a ele que cumpra os mandamentos – ao que afirmou já cumprir – mas Jesus insiste: Se quer ser perfeito, ou seja, se quer ter um ganho para o agora, para a vida que você já tem, vende tudo o que possui e distribua aos carentes.
Normalmente, essa afirmação é usada como argumento de alguns para condenar a riqueza, alegando que Deus tem objeções ao fato de alguém ser rico ou que os ricos não são amigos de Deus. Contradigo, afinal, houve abastados importantes para Jesus e os discípulos. Vejamos o caso de José de Arimateia: assim conhecido por ser de Arimateia, cidade da Judeia, foi, segundo os Evangelhos canônicos, um homem de posses, senador e membro do Sinédrio, o colégio dos mais altos magistrados do povo judeu e que formava a suprema corte judaica. A Bíblia relata que ele era discípulo de Cristo, mesmo que secretamente (João 19:38).
Podemos lembrar também de Nicodemos – fariseu, membro do Sinédrio, mestre da Lei, que, segundo o Evangelho de João, mostrou-se favorável a Jesus. Ele aparece três vezes nesse evangelho: na primeira, visita Jesus uma noite para ouvir seus ensinamentos (João 3:1-21); na segunda, afirma a lei relativa à detenção de Jesus durante a Festa dos Tabernáculos (João 7:45-51); e na terceira, após a crucificação, ajuda José de Arimatéia na preparação do cadáver de Jesus para o enterro (João 19:39-42). Também Zaqueu, responsável pela coleta de impostos em Jericó, que depois de receber a visita de Cristo, resolve dar a metade de seus bens aos pobres. E há ainda a figura de Barnabé, mencionado na bíblia como homem bom e piedoso, responsável por financiar com seus próprios recursos o avanço do cristianismo.
Podemos dizer que a bíblia não reprova a riqueza e não tem problema com os ricos, afinal, Jesus conviveu com vários, frequentou suas casas, foi amigo deles. Mas, por que disse ao jovem da citação que deveria vender tudo o que tinha e dar o dinheiro aos pobres? Tenho alguns amigos muito bem financeiramente, mas percebo que, acima de tudo, são pessoas sensíveis, com riqueza de alma. A grandeza do coração é bem mais importante que a do bolso. Existem ricos, ricos e ricos pobres. Os ricos, ricos, enriqueceram de vida, por experiências que os fizeram entender e provar dos reais valores da existência, momentos em que se encontraram carentes, necessitados, empobrecidos pelas dores naturais a qualquer ser, humano ou não. Aprenderam que nem sempre é o trabalho que garante o sustendo, que nem sempre é o esforço que traz o sucesso e nem sempre é o cuidado que sustenta a saúde.
A vida é muito mais densa do que explica a matemática, ela nos ensina através das venturas e desventuras do dia a dia. Há dinheiro que compre uma cura? Há recurso que previna um câncer? Há o que pague um favor, uma bondade, um socorro? Não há elucidação para muitas coisas que se passam debaixo do sol, já que ele nasce para bons e maus, pobres e ricos. Por isso digo, existem pessoas que apesar de terem bens, estabilidade, dinheiro, compreenderam que não é isso que lhes ampara, mas uma inexplicável força, um insondável poder misericordioso, compassivo, derramado gratuitamente. Isso nos nivela. Pode fazer de ricos pessoas dependentes, carentes, gratas, amorosas, piedosas e dadivosas – e pode fazer de pobres, pessoas compreensivas, agradecidas, receptivas. Quem é abastado de sensibilidade e bondade olha para o desprovido sem julgamentos, acusações, procurando entender seus limites e necessidades. Quem não é, ao contrário disso, mostra-se arrogante, preconceituoso, sem perceber-se também carente. Há os que não possuem recursos, mas que se esforçam, se enchem de esperança, insistem, buscam, aceitam desafios com garra e há os que se revoltam, se deixam levar, se perdem, desistem, enrudecem.
Vivemos tempos difíceis e o que mais me espanta é a indiferença. Vejo que alguns estão mórbidos acomodados, “com a boca cheia de dentes esperando a morte chegar”, mas também percebo outros ansiosos por apoio, ajuda e incentivo. Vejo gente generosa, provendo verdadeiras fortunas em prol do bem comum e outras sentadas sobre suas fortunas especulando, como abutres, aumentando suas riquezas, se aproveitando do “mercado”, da “lei da oferta e da procura”, ignorando a vida, a dor, a fome, a tragédia alheia. Imagino que a esses, Jesus diria, vai, vende tudo o que tem, dá aos pobres, para que possa compreender a vida, saber o que é vontade de comer algo e não ter dinheiro, ver um filho, uma esposa, um esposo, se esvaindo em trabalho duro, árduo, sem perspectiva.
Vá, sinta a vergonha de não ter uma roupa boa, de não ter um bom calçado, a humilhação de ser ultrajado por um patrão impiedoso, a dor de não conseguir emprego, a vergonha de ter que esmolar por uma ajuda miserável numa fila ensolarada de banco. De não ter assistência médica digna, de depender de uma espera enorme para ser atendido e, se for, ficar encostado num corredor, em cima de uma maca até que alguém, por piedade, surja para te medicar. Vá ter a experiência de não ver uma mão estendida, um olhar caridoso, de não encontrar oportunidade, de ter que sorrir para quem te despreza. Vá, vive a vida como ela é. Então, siga-me numa nova direção, numa nova consciência que te faça verdadeiramente íntegro, rico e feliz!
Nilson da Silva Júnior é pastor e professor.