Unimep – o inventário de um tempo

Unimep – o inventário de um tempo

Impossível acontecer que um governo, uma gestão, se passe sem que seja possível apontar-lhe erros, equívocos e políticas que de alguma forma acabam sendo prejudiciais a uma instituição. Faz parte dos riscos, da capacidade de análise do gestor, do contexto e do momento em que é preciso decidir. No entanto, em alguns casos, mesmo com as falhas, há gestores que passam para a história como figuras ímpares. Penso que é isso que caracteriza algumas lideranças, que as distingue da maioria, que lhes concede um aval de íntegros, fortes, confiáveis, de especiais – que carregarão ao longo do registro da história. Isso é o que ocorre na esfera global, na política nacional, até mesmo entre instituições maiores ou menores que sobrevivem ou se acabam com o passar do tempo.

Reflito sobre isso quando olho para a UNIMEP e para a história das escolas metodistas. O que tornou a UNIMEP grande não foi apenas a capacidade administrativa ou a visão de futuro de seus primeiros reitores. Foi a clareza de uma visão de mundo, de um compromisso com uma educação diferenciada, de uma disposição de enfrentar os limites impostos politicamente em alguns períodos – inclusive vindos da própria Igreja Metodista. Com esta postura, Elias Boaventura e Almir Maia, durante anos, conseguiram construir um espaço que envolveu professores, funcionários e estudantes, sempre respeitados, ouvidos, muitas vezes contrariados, mas sabedores que a centralidade da Universidade dependia deles, do seu trabalho, do seu envolvimento. Se nem sempre concordavam, conseguiam manter um comportamento de negociação, de diálogo e de união, inclusive quando o enfrentamento a forças externas era exigido. E a comunidade local, de Piracicaba e região, contava com o envolvimento efetivo – muito além dos discursos – e do apoio da Universidade, o que durante anos resultou na presença da população nos campi, nas atividades de extensão, de cultura, de esportes e de pesquisa. Um tempo em que a Universidade nunca se serviu de sua própria atividade para tentar angariar aplausos ou fixar o mote “educação metodista”. E que por isso foi respeitada e defendida por muitos, inclusive nacionalmente.

À Igreja Metodista sempre faltaram lideranças qualificadas tecnicamente e treinadas para administrar suas escolas. A Igreja sempre soube de seus limites, mas procurou ignorá-los, privilegiando a presença de seus membros em cargos e instâncias decisórias de uma área que lhes era praticamente desconhecida. Desastres que custaram muito caro aos cofres das escolas, por tentativas de interferência de correntes da Igreja que insistiam em querer o poder, como em 1985, quando houve a tentativa de afastar Elias Boaventura da reitoria. Escolas, por mais que os tempos tenham mudado, nunca poderão ser gerenciadas como negócios a simplesmente oferecer lucro. É isso que as distingue, o conceito de educação que assumem e que as sustenta.

O final melancólico das escolas metodistas envolve muito disso. Quando foram morrendo os líderes na área da educação – primeiro afastados pela própria Igreja, e depois morrendo – e no espaço de gestão foram sendo substituídos por figuras medíocres, dispostas a cumprir ordens de uma Igreja que queria prioritariamente garantir seu patrimônio, a derrocada se acentuou rapidamente.

É difícil imaginar que um juiz especializado na área de falências, no sul do país, vá se inteirar dos detalhes da história das escolas metodistas e da apropriação de seu patrimônio – iniciado, vale sempre lembrar, com doações vindas dos EUA especificamente para abertura de escolas – feita pela Igreja, como provam documentos nem tão secretos assim. Não há muito a se esperar deste processo de recuperação judicial, tornado oficial nesta semana. Os funcionários e professores demitidos demorarão muito a receber o que lhes é devido – se é que o receberão integralmente. E os que ainda permanecem em atividade, depois de mais algumas dezenas de demissões feitas pelos administradores de plantão, tomara consigam ao menos receber os salários em dia, exigência do próprio processo de recuperação judicial.

O que a Igreja Metodista agora gasta com os advogados contratados para a defenderem, e com agências de comunicação a quem cabe fixar uma nova versão para justificar a crise atual, poderia aliviar muito o calote que vem dando, há anos, a professores e funcionários afastados. Mas isso é algo não considerado. Quem hoje dirige e define os rumos das escolas metodistas não guarda qualquer semelhança com a firmeza e honestidade de propósitos de Elias Boaventura e Almir Maia. Tempos outros.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Beatriz Vicentini é jornalista.

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