Meu filho, você tem que gostar de viver, Deus nos deu esse milagre. Faça de conta que é uma prenda, a vida.
Mia Couto em “O Fio das Missangas”
Em 30 de agosto de 2015, o mundo recebeu a notícia da morte de Oliver Sacks, neurologista e escritor britânico, radicado nos Estados Unidos. Uma morte já prenunciada em fevereiro deste ano. Professor universitário, alcançou grande popularidade e seus livros são recordistas de venda. Sua morte teve repercussão imediata em todo o mundo e, desde então, eram muitas as manifestações na imprensa virtual e de profissionais de pesquisas e estudos da mesma área que ele. Sacks é referência das mais importantes, respeitado e seguido por todo o planeta. Usava seus casos clínicos, pacientes e doenças que pesquisava e tratava, para refletir sobre a consciência e a condição humana. E, vale salientar, tudo era retratado com sabedoria, profundo conhecimento e bom humor.
Nas minhas leituras do que se publicou após sua morte, li no virtual El País que Sacks, homossexual, foi amaldiçoado pela mãe ao saber de sua condição, quando escutou que seria melhor que não tivesse nascido. Sobre Sacks, Guillermo Antares escreveu: “Ele mudou a forma de vermos os outros e de vermos a nós mesmos, e isso é algo que se pode dizer de muito poucos autores”. E ainda: ”sua grande contribuição foi aproximar milhões de leitores em todo o mundo daqueles que a sociedade se empenha em tratar como diferentes e que Sacks sempre considerou iguais. Ajudou-nos, com textos extraordinariamente divertidos, a compreender a complexidade da mente humana e nos permitiu vislumbrar a forma como todos aqueles, que muitas vezes preferimos ignorar, enfrentam o mundo.”
Sacks afirmou em uma entrevista de 1996: “as vezes a doença pode nos ensinar o que a vida tem de valioso e nos permitir vivê-la mais intensamente”. Em seu obituário, o The New York Times cita que seu último artigo foi publicado no início de agosto, quando já estava bastante doente. Nele, Sacks lamentava o que perderia com sua morte, mas “celebrava a densidade de sua existência”. Oliver Sacks não deve ser unanimidade. Nada é, ninguém é. No entanto, o ser humano que valorizava incondicionalmente a vida, mesmo em suas formas mais limítrofes por causa de patologias neurológicas, que trabalhou como médico, pesquisador e escritor para, entre tantos objetivos, nos fazer aceitar o “diferente”, que ele considerava como nossos iguais, provocou, com sua morte, uma perda irreparável para a humanidade.
Essa foi também a difícil missão que tentei abraçar em minha vida – a luta contra o preconceito, a luta pela digna valorização e inclusão dos “diferentes e especiais”, que tanto nos ensinam. Escolha de vida sensível e de incontestável importância. Sacks agregou valores importantes para o ser humano e fez a diferença. Conheci Oliver Sacks através da adaptação para o cinema de seu livro “Tempo de Despertar”, tendo Robin Williams e Robert De Niro como protagonistas. Sem a formação que me dê condições para entender e acompanhar suas pesquisas, fiquei tempos sem me informar sobre ele. Sei que é leitura obrigatória para a formação de profissionais de várias áreas, segundo relato de amigos. Não faço parte desse grupo, mas me interessei e me encantei pela qualidade do ser humano e do profissional especialmente respeitado.
Passei a conhecer mais sobre esse ser humano diferenciado em fevereiro deste ano, quando ele publicou um relato emocionante na seção de opinião do The New York Times, revelando seu estado terminal, por conta de um câncer no fígado. Suas reflexões sobre a finitude da vida emocionou o mundo. “Agora depende de mim escolher como quero viver os meses que me restam. Tenho que viver da maneira mais rica, profunda e produtiva que puder.”
Saks tratou de um câncer no olho há nove anos. “Sinto-me grato por terem me sido concedidos nove anos de boa saúde e produtividade, desde o diagnóstico original, mas agora estou de cara com a morte.” E ainda: “espero, no tempo que me resta, continuar a aprofundar minhas amizades, dizer adeus àqueles que amo, escrever mais, viajar, se tiver força, e alcançar novos níveis de compreensão e percepção. Isso implicará em ter audácia, clareza e uso da palavra; tentar endireitar minhas contas com o mundo”. E, com sincera honestidade: “Não posso fingir que estou sem medo. Mas, meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado. Recebi muito e dei algo em troca”. Finalizando, conclui Sakcs: “acima de tudo, tenho sido um ser senciente, um animal pensante neste belo planeta, o que, de per si, tem sido um enorme privilégio e uma aventura”.
Depois de várias releituras de seu corajoso e sensível relato sobre seu momento de vida, me senti encantada com Oliver Sacks, com seu amor pela vida e pelo ser humano, sua preocupação com a condição humana. E passei a me informar sobre seus trabalhos, o que, sem dúvida, muito me acrescentou e fortaleceu. Se lamentamos sua morte, celebramos sua vida de doação para a melhora da condição de vida para tantos pacientes. E, sem dúvida, também a melhora no olhar para a vida por parte de cada aluno e cada um de seus leitores.
Lemos sobre a finitude da vida, anunciada, mas não o fim do entusiasmo, da importância do trabalho e da amizade, da gratidão. Um relato que é um gesto de amor. A quantos ajudou? A mim, muito! Seu legado é de grandeza e dignidade que não podemos mensurar. Enfrentava os desafios de patologias neurológicas e se empenhava em levar seus pacientes ao respeito dos outros, desconstruindo preconceitos. Respeito aos outros, incluindo as diferenças de religião e ideologia política, fim do preconceito ao “diferente”, da homofobia, da violência contra imigrantes por todo o mundo e – que pena! – também no Brasil – não são alguns valores indispensáveis para a paz no mundo?
Escolhas de vida – fundamentais para construirmos nosso legado para a geração que está chegando. E, para isso, temos que nos valer de amor, de respeito, de dedicação, de sensatez, de doação, de sabedoria, de humildade. Marcelo Gleiser, que conheceu Sacks pessoalmente, escreveu na Folha, no início de março deste ano, após a leitura de seu relato em fevereiro: “ele sabe que as histórias de seus pacientes são suas também, que cada experiência o transforma”. E ainda: ”para Oliver a vida é um grande experimento, uma exploração da condição humana que só rende frutos se tivermos coragem de nos entregar a elas por completo.”
A coragem, a humildade e doação de Sacks são um aprendizado para muitos.
Desde a leitura de seu relato de fevereiro, torci para que o momento de sua partida demorasse a chegar. Lembrei-me que, ao ler “Crônica de uma Morte Anunciada”, de Gabriel García Marquez, uma preciosidade, torci para que a morte de Santiago Nasar, que foi relatada no primeiro capítulo, acabasse não se concretizando. Não interrompia a leitura, não fechava o livro porque talvez conseguisse a solução para salvá-lo, pudesse impedir sua morte. Não queria abandoná-lo.
Como Santiago Nasar, Oliver Sacks se foi em sua morte anunciada. Não adiantou minha torcida. Fica meu respeito, minha gratidão, minha reverência.
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Zilma Bandel é pósgraduada em Biologia.
Querida Zilma
Mais uma vez nos encanta com seu lindo texto, uma válida reflexão para todos nós.
Uma história de vida maravilhosa de um grande homem, com um legado de amor proporcionado ao próximo mais próximo. Um exemplo a seguir neste mundo tão tribulado de hoje, na esperança de dias melhores.
Parabéns minha sempre lembrada mestra, minha amiga de todas as horas
Meu abraço carinhoso
Super beijo
Célia
Célia, querida.
Com sua vivência de amor ao próximo, você pode muito bem entender e valorizar a escolha de vida de Oliver Sacks. Perda grande para a humanidade.
Simples minha homenagem. Grande a emoção.
Beijo com afeto.
São perdas irreparáveis. Sua carinhosa homenagem a Oliver Sacks foi um gesto de amor e admiração.
Obrigada, Bernadete, por sua leitura e apreciação.
A humanidade ficou muito mais pobre.
beijo com afeto.
Zilma,
Uma pena não contar com mais textos tão lúcidos como os demais escritos por você.
Sua pena é como a tinta que escreve no coração das pessoas que te conhecem.
abr fraterno
Muito obrigada, Helinho, por sua leitura e generosa avaliação.
Difícil escrever sobre ser humano de tamanha grandeza. Sempre fica muito pouco.
Com emoção e o sentimento de grande perda para a humanidade, deixei aqui no Diário algo simples que lembre o ser humano diferenciado e especial que foi Oliver Sacks.
Beijo com afeto e gratidão.
Zilma
Mais um lindo texto com muita sensibilidade.
Deveriam ser mais frequentes, pois eles atingem nosso coração.
Um beijo
Sergio
Obrigada, Sérgio, pela leitura e generosidade nas palavras.
Oliver Sacks foi um ser humano de grandeza e beleza incomparáveis. Seu legado é respeitado por todo o planeta.
Minha homenagem é simples e pequena demais. Mas, foi importante para mim deixar o registro.
Beijo com carinho e gratidão.
Zilma, querida,
mais uma vez me deleito com a leitura de seu texto, sobre uma pessoa especial cuja partida também senti, mais uma que se vai, deixando nosso mundo mais desprotegido. Mas cuja vida certamente teremos como exemplo de luta e esperança! Obrigada, amiga, estava sentindo falta de suas reflexões! Receba meu abraço mais afetuoso!!!
Querida amiga Miriam.
Sou sempre grata a você pela leitura dos meus escritos, pelo incentivo e carinho.
Oliver Sacks merece todas as homenagens por seu legado para a humanidade. A minha foi pequena, simples. Com o sentimento, no entanto, do tamanho da perda para a humanidade de seu presença repleta de amor, de sua luta pela valorização da condição humana e pela aceitação do diferente que, para ele, era igual. Com seu legado ficou a esperança, ficou o otimismo na melhora do ser humano em busca de paz, aceitação, tolerância.
Beijo com muito afeto e gratidão.
Zilma: obrigada por tão rico texto. Oliver Sacks nos deixa um legado importante através de seus livros e relatos concretos sobre seus pacientes. Saber tratar o diferente com sensibilidade e generosidade é para poucos . Buscamos a cada momento chegar a esse nível de acolhimento em nossa escola. Vou utilizar seu texto em reunião com minha equipe pois entendemos que a teoria embasa a prática e é estudando que podemos oferecer o melhor aos nossos alunos. Um abraço .
Zilma querida! Sempre sensível e delicada, bela reflexão sobre o diferente e as diferenças, no momento que vivemos seria bom lembrar que são as diferenças que nos faz crescer e aprender, tolerância e gratidão são sentimentos que nos tornar melhores, por isso Sacks foi tão importante ensinou a humanidade respeito, gratidão por tudo e por todos.
Beijos com muito carinho.
Querida Maria Luiza.
Muito obrigada pela leitura e generosa avaliação. Ela agregou qualidade às minhas reflexões.
A obra de Sacks é inspiradora em várias áreas. Pensei muito no bonito trabalho da Escola Passo a Passo ao me dispor a escrever esse artigo como uma pequena homenagem a Sacks. Há muito acompanho o esforço da Escola para o desenvolvimento, para o acolhimento respeitoso, sem restrições, para a promoção do desenvolvimento dos alunos e sua inclusão na sociedade como iguais. Minha admiração e respeito pelo que se faz na Escola são grandes.
Um beijo com afeto e gratidão.
Bom dia, Zilma
Oliver se foi …eu já sabia e acompanhava a sua luta contra o câncer … perdemos um grande pesquisador dotado de uma alma perfumosa… desde a primeira leitura nos primórdios da minha especialização vivenciei a magnitude deste homem que acreditava mais no ser humano do que nas suas patologias… estudou muito… e agraciou toda a humanidade com suas pesquisas e ensinamentos…adeus Oliver “Humano” Sacks! Deixo na voz do poetinha Vinicius de Moraes o nosso agradecimento: Saravá!
Querida Ana Marly.
Ficamos mais pobres e desprotegidos, como escreveu minha amiga Miriam, não é?
Difícil escrever sobre tanta grandeza humana. Fiz uma homenagem simples. Sei que nem todos podem entender a magnitude do seu trabalho e sua compreensão do verdadeiro significado da vida, do ser humano e sua alma. Experiências de vida semelhantes são necessárias e nos aproximam daqueles que têm conosco afinidade espiritual.
Sou muito grata por sua leitura. Seu comentário acrescentou muito ao meu texto.
Beijo com afeto.
Cara Zilma Quando não aceitamos preconceitos de qualquer matiz, porque estamos seguros de nós mesmos, conviver com um “especial” torna-se um privilégio. Aliás, nós todos somos únicos e portanto diferentes: os especiais e os que fazem parte da multidão. Conheci Oliver Sacks este ano através de artigos em jornais e o Marcelo Gleiser leio há muito tempo, pois compartilho sua curiosidade pelo nosso universo. Parabéns Zilma! Foi uma surpresa saber de seu talento para escritora com muita sensibilidade. Um abraço carinhoso.
Querida Sylvia.
Feliz com sua leitura e sábias palavras. Meu texto ficou enriquecido.
Obrigada por sua generosa avaliação.
Pessoas como Oliver Sacks, que deixam um legado, intelectual, científico e espiritual de tamanha grandeza, deveriam se perpetuar entre nós. Fez a diferença e já faz muita falta.
Sou muito grata a você, minha prima.
Saudades.
Beijo com afeto a você e Marcela.
Querida amiga Rosane.
Grata por sua leitura e generosidade na avaliação.
Que bom podermos celebrar a vida de uma criatura que se dedicou a servir os que são considerados diferentes. E não só os portadores de patologias neurológicas. Também aqueles que sofrem com o preconceito por muitos motivos. Desafio aceito, escolha de vida assumida, e o resultado foi um crescimento pessoal e qualidade humana de tal grandeza que fez com que Sacks inspirasse pesquisadores de muitas áreas do conhecimento humano em todo o planeta.
Vida que valeu a pena. Deixa nosso mundo muito mais pobre.
Beijo com muito afeto.
Mais uma vez é surpreendente seu texto,querida Zilma.Oliver Sacks,pelo pouco que conheço dele,foi um ser grandioso,preocupado sempre com o ser humano,seja através de seus pacientes ou de sua própria vida, inclusive tratando os diferentes como iguais.E como entendo isso…
E você,com sua sensibilidade ímpar,consegue focar exatamente nos pontos principais da trajetória de Sacks. Todos nós sabemos que um dia ou outro vamos partir,mas,nos toca muito, o que ele diz sobre”como viver bem no tempo que me resta”
É impressionante como você consegue retratar tão bem como ele foi em vida: magnânimo,preocupado com o ser humano e a vida de um ser,que, diferente para muitos ,para ele era igual.Sei bem,hoje,o que é isso e como esses “diferentes”nos ensinam muito sobre a vida.Zilma,cada texto seu é mais surpreendente que o anterior.Neles você coloca muito conhecimento,profunda sensibilidade e imensa espiritualidade.
Sacks nos ensina muito sobre o ser humano e você,com esse texto,nos ensina o que é garra,vontade de viver e de respeitar as diferenças.Parabéns…aguardo o próximo texto para breve…Com carinho Dida
Querida Dida, minha fiel leitora e incentivadora.
Suas gentis e generosas palavras sempre me dão um alento para expor minhas reflexões e sentimentos aos queridos leitores. Não sei se continuo.
Com sua experiência recente de vida, a compreensão de valores como aceitação e necessidade de incluir e sentir os “diferentes”como iguais, que realmente são, ficou enriquecida. Pessoa sensível e de grandeza espiritual você sempre foi. Sua nova experiência só veio enriquecê-la ainda mais.
Oliver Sacks, com seu legado, deixa uma gama de ensinamentos inigualável. Perda irreparável para esse mundo tão conturbado.
Saudades de você, amiga.
Um beijo com gratidão e afeto.
Boa noite querida!Maravilhoso, que mais e mais vezes você nos compartilhe de tão brilhante inspiração!
Parabéns mil beijos.
Silmara querida.
Entendemos bem a importância do legado e sabedoria que O. Sacks deixou para a humanidade, não é?
Agradeço sua leitura e gentis e generosas palavras que muito me incentivam
Beijo com muito afeto e gratidão.