Um capacho a seu dispor! – por Carla Ceres

Os bajuladores vão espernear, mas o mundo está em crise e já passou da hora de considerarmos o puxa-saquismo uma atividade econômica informal, como o tráfico de drogas.

Danosa, rentável e marginal, a bajulação assemelha-se ao comércio ilegal de entorpecentes. Em vez de cocaína, o puxa-saco vende aprovação irrestrita. Seus clientes sentem-se perfeitos, dignos de adoração, infalíveis. Se isso não é delírio, falta pouco.

Ninguém, por menos poder que tenha, consegue livrar-se do assédio bajulatório. O importante é dizer “Não!” – um não bem redondo – ainda que com gentileza. Bajulação vicia e, de repente, a vítima se pega acreditando que pode fazer qualquer bobagem, ferir quem quer que seja e sair impune porque é uma pessoa especial, incompreendida, que nasceu para mostrar ao mundo como se vive. Aí, meu amigo, está feito o estrago. Passou do delírio à alucinação total e, se tiver uma overdose, pode acabar morta ou na cadeia.

Exagero? Que nada! Quantos políticos e empresários vão subindo na carreira, aumentando a roubalheira, cercando-se de puxa-sacos, isolando-se das críticas e dos amigos sinceros, até dar um passo em falso e cair? Nenhum tubarão vai pra rua da amargura sem a prestimosa assessoria de seus puxa-sacos. Nenhum sujeito comum perde família, saúde e patrimônio sem a colaboração de seus falsos amigos de farra.

Amigo de verdade é um sujeito por vezes inconveniente, que nos conhece bem demais e controla nossa mania de grandeza. É um chato em potencial, que sempre vai poder dizer “Eu te avisei” quando estiver nos ajudando a nos reerguer. Bajuladores abandonam o barco com a pilhagem. Amigos mergulham para nos salvar.

O capacho profissional sempre visa lucro: presentes, empréstimos, indicações para cargos, honrarias. Com seu trabalho rastejante, chega a posições que jamais conquistaria de outra forma, pois lhe faltam talento, coragem e conhecimento. Ciente da própria fraqueza, o bajulador inveja ferozmente o bajulado e deseja sua ruína.

Um imposto sobre o lucro obtido mediante adulação incidiria, por exemplo, sobre milhares de parasitas que vivem às custas de parentes ricos. Contudo devemos primeiro regulamentar a profissão, tirar essa corja da informalidade. É claro que haverá resistência. Os bajuladores não vão querer registro em carteira de trabalho porque costumam operar sob disfarce, passando-se por admiradores sinceros.

Como não estou nem aí com o bem-estar dos parasitas, sugiro que transformemos o exercício ilegal do puxa-saquismo em crime passível de punição imediata por qualquer cidadão ultrajado. Funcionaria assim: quem pegasse um bajulador trabalhando sem registro poderia atingir seu traseiro com o capacho mais felpudo que encontrasse por perto. Seria a campanha “Capacho contra Capacho.” 

No centro das mesas de reunião, um grosso capacho ficaria disponível para acertar os cupinchas do diretor. Um capachinho mais leve ocuparia cada mesa de professor para desencorajar quem pensasse em fornecer maçãs aos mestres. Uma bala de canhão, feita com capacho, poderia atingir ministros investigados por corrupção, que fizessem declarações de amor à presidência da república. Assim eles sairiam do cargo à bala!

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A autora:

 

 

 

Carla Ceres é escritora (irreverente) e exterminadora de puxa-sacos. Premiada em diversos concursos, acaba de ser indicada para a fase estadual do Mapa Cultural Paulista – na categoria “crônicas.”

 

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