“Trabalhar não é moleza, não” – por Suzane Lindoso

O dia amanhecera com um esplendoroso sorriso do sol, depois de alguns dias nublados, sem graça.

Clara já pulou da cama planejando cada minuto daquele domingo: igreja, almoço na casa da avó, passeio pela rua do Porto ou pela Estação da Paulista ou talvez pela ESALQ.

– Mãããããããããe! Qual vai ser a programação de hoje?

– Não está se esquecendo de nada? Cadê meu bom dia? Você dormiu bem?

– Ah. Oi, tudo bem? Mas para onde iremos à tarde? Que tal comer milho cozido na rua do Porto?

– Ih, não sei não. Agora que saiu o sol tenho uma porção de coisas para fazer em casa. O varal está lotado, o quintal com poças d´água, os tapetes…

Continuou a falar sozinha, pois a filha sumira diante de interminável lista.

Não era possível que todo aquele exuberante sol seria perdido! Que diferença faria pôr a roupa no varal ou não? Poças no quintal, faça o favor! O sol mesmo secaria.

O café ficou pronto. Toda a família estava reunida, quando a menina, insistente por natureza, retomou a conversa.

-Sabe, pai, não seria ótimo aproveitar este sol depois de tantos dias com chuva?

-Você tem alguma ideia, Clarinha?

-Já vou avisando para me incluir fora dessa. Estou de serviço até a tampa.

Sabiamente percebeu que na frente da mãe não teria sucesso. Preferiu ir se arrumar e quem sabe na volta da casa da avó…

O trajeto costumeiro estava interditado. Passariam perto do rio.

“Uau! Parece que o Sol resolveu me ajudar.”

Naquele dia o reflexo nas águas barrentas do rio fazia lembrar pequenos cristais balançando ao sabor das pequenas ondas formadas pela correnteza.

“Que espetáculo a natureza nos reserva! Basta observarmos o que está a nossa volta.”

Os momentos dedicados ao Senhor, na igreja, foram de gratidão, de muita gratidão. Sua criação de exuberância inigualável, a vida, as oportunidades.

Todos sentados à mesa para o almoço, papo vai papo vem,  para deixar dona Senhorinha, a avó, por dentro das novidades.

Nem bem a sobremesa fora servida, antes mesmo de irem embora a mãe começou a distribuir tarefas para todos. Ao pai coube limpar a sujeira do cachorro, ao Fernando – filho mais velho – o recolhimento do lixo… Quando chegou a vez da animada Clara, a sentença: arrumar a cozinha.

O discurso já estava pronto.

– Como assim, mãe? E o pedido que fiz de irmos curtir o sol? Achei que as palavras que ouvimos sobre o dia do descanso tivessem sido ouvidas pela senhora!

– Mas, filha, já expliquei, este sol precisa ser aproveitado para secar a roupa, o chão… Amanhã volto ao trabalho e não estarei em casa para fazer tudo isto.

-Chega, mamãe! Parece que não vai mesmo reconhecer que tem trabalhado demais! Precisa de folga, de descanso!

– Pois é, dona Clara. Sempre se ouviu que o trabalho dignifica o homem. Contudo pouco se pensou a respeito da mulher depois que ingressou no mercado de trabalho.

– Não estou entendendo o que isto tem a ver com nosso assunto.

– Ah, não? Talvez ajudasse você a compreender se pudéssemos modificar a máxima: O trabalho dignifica o homem e sobrecarrega a mulher.

As duas se abraçaram e  deram boas risadas.

E o sol radiante daquele domingo? Foi curtido, aproveitado, celebrado.

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 Suzane Lindoso é professora de Língua Portuguesa e Literatura do Colégio Piracicabano.

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