Talvez haja, no contemporâneo, um terrível monstro emergindo de um submundo opaco, de tenebrosas sombras. Um monstro empedernido, que pisa forte, desolando com todos os sonhos do presente e arrasando com as possibilidades de futuro. Esse mesmo monstro, que em um passado recente já ceifava a liberdade, agora retorna ostentando a insígnia da renovação, do novo, do antissistema, do não ideológico, do não político com o embuste do prefixo neo – nas formas de fascismo e liberalismo. Em decorrência da apatia de muitos e da postura de isenção e não envolvimento, essa presença maligna tornou-se manifesta, assumindo o plano do mundo real, quando coisas estranhas passaram a acontecer no cotidiano, sem nenhuma camuflagem ou mesmo dissimulação. Mas é importante ressaltar que o que se coloca agora é o mesmo monstro totalitário, que vislumbra arrasar com o menor vestígio de democracia, justiça e direitos.
Está em curso a implementação acelerada da lógica de um mundo invertido, que se alimenta das trevas, tendo a opressão e a exploração como fontes de tudo que pensa e projeta como modelo para a sociedade. Nesta realidade distópica, que avança como uma névoa espessa e tóxica, tudo que fere de morte os princípios civilizacionais passa a ser justificado, gozando de arrogante complacência e ares de legitimidade. As relações econômicas dinamizadoras das mais profundas injustiças e desigualdades, inerentes ao modelo de produção capitalista; os mecanismos exploratórios ecologicamente insustentáveis, próprios de concepções equivocadas de progresso e desenvolvimento; bem como todas as formas de preconceito e discriminação, típicas de compreensões limitadas sobre a complexidade que compõe a vida, passam a ser abertamente explicitadas, sem pudor nem constrangimento.
Mesmo em uma análise rápida e panorâmica, já são fartos os sinais que evidenciam a consolidação de um projeto bestial e diabólico de sociedade, que se alça sob o véu ideológico do obscurantismo e do anti-intelectualismo. A hilária defesa da terra plana; o descarado nepotismo; a negação de dados incontestáveis que evidenciam o ressurgimento da cruel realidade da fome; a sórdida apologia ao trabalho infantil; a afronta sistemática aos valores cristãos; o culto às armas e à violência; a parcialidade escancarada do juiz e a corrupção do direito; a irrestrita liberação de agrotóxicos; a disseminação de formas múltiplas de preconceitos etc não deixam de expressar a boçalidade de um tempo carente de perspectivas.
No substrato de todo esse terrível pesadelo, desvela-se a perversa proposta de se abandonar, em nome da economia de mercado, cada cidadão a própria sorte. Com a inconsistência da concepção neoliberal, vazia em suas abstrações teóricas e sem conexão com os dramas e desafios próprios do chão da vida, exaltam-se a meritocracia, o empreendedorismo, a livre concorrência, o fim das políticas públicas de assistência, a desregulamentação e flexibilização dos contratos de trabalho, a retirada de direitos básicos. Travestido de discurso tecnocrata, o projeto oriundo de uma realidade invertida almeja, em última instância, destruir os pilares e as possibilidades de uma sociedade democrática, alicerçada na justiça e no direito.
Adelino Francisco de Oliveira é filósofo e professor no Instituto Federal campus Piracicaba.
Gostei muito. Consegues uma excelente síntese dos elementos dessa tragédia que se abateu e se abate sobre nosso país. O que não podemos é deixar de lutar para que esse drama que nos aflige seja de curta duração.
Acredito que o que está em curso é uma forte tentativa de extermínio das populações mais desamparadas, vale lembrar que estão economizando na compra de remédios e distribuição gratuita para esta os desamparados. Qual a finalidade se não o extermínio?