Silêncios – o novo e saboroso livro de Newman Ribeiro Simões.
——————————————————————————————————
Em seu segundo livro de poemas, Silêncios (Ensaios brevíssimos para Odes mínimas), o escritor, poeta e matemático Newman Ribeiro Simões brinda-nos com um sensível trabalho poético, cujo fio condutor, o silêncio, é operado segundo uma concepção basicamente dialética.
De fato, do diálogo entre os textos, o que brota é a intensa contradição da vida, tratada com muita delicadeza e sinceridade pelo autor: ele trabalha, com intensa — embora sutil — reflexão, as formas emocionais opostas, por meio das quais a vida se manifesta e o indivíduo se estrutura e reconhece.
Formas contrárias, que, todavia, se tocam e complementam, dando-nos o caráter de seres humanos: a alegria(a luz)e a tristeza (a sombra), a confiança e o medo, o amor e a indiferença, o sono reparador e a insônia agônica. Como pano de fundo dessas tensões conflitivas, acabamos percebendo uma outra, mais profunda, que se coloca, com toda a força, no horizonte do eu-lírico: o embate entre o que fomos determinados a ser e o que pretendemos ser. O equilíbrio, o caminho do meio, nessa equação, repousa no exercício da liberdade, da transformação, da evolução. Essa liberdade, Newman expressa e afirma por meio da palavra poética.
Como a ode é um tipo de composição lírica, que exalta, entre outros aspectos humanos, os sentimentos, os “ensaios brevíssimos” de Newman funcionam como rascunhos para as “odes mínimas”. Nessa direção, ambos, como se vê pelos adjetivos (brevíssimos e mínimas), mostram-se afinados e coerentes com a pressa e a liquidez, sob cujo signo vivemos, nas sociedades de hoje.
Nessas odes mínimas, o leitor encontra o silêncio articulado a vários aspectos contraditórios da realidade, como ao embate entre a sombra e a luz, em Aurora, que focaliza o breve momento em que ambas se tocam e permitem que o giro do tempo continue: “o cantar do galo/ […] era um grito necessário/ para que a noite/ recolhesse sua sombra/ e deixasse o dia acontecer”.
Essa visão, focada no contraditório da realidade, parece funcionar, de fato, como a chave para o eu lírico acessar um caminho rumo ao desejado equilíbrio, já que vê a vida como o resultado da tensão contínua entre as forças que nos moldam e às sociedades. Essa concepção fica bem colocada em Paradoxo: “é tanta/ a vida embutida/ em músculos e ossos/ em tão pouco tempo/ que mesmo perante/ o pesado silêncio da morte/ não há lugar/ para rancor/ e nem/ para a amargura”.
Em outra direção, o silêncio conduz à sua própria relação com a poesia, inspirando belos poemas metalinguísticos, como Busca, em que a paranomásia entre “ímãs” e “irmãs” valoriza, por demais, a expressão — “depois de brotar/ do silêncio/ o poema ganha/ as ruas ruidosas/ e suas palavras buscam,/ como ímãs,/ outros silêncios/ em almas irmãs”.
É possível perceber a liberdade, no contexto da obra, tomada em sua acepção existencialista, como defendida por Jean-Paul Sartre, filósofo francês — a busca do indivíduo por aprimorar-se, tornar-se a pessoa que pretende ser, por meio da superação dos determinismos que julga indesejáveis. Essa busca marca bem o poema Possibilidades: “conto estórias/ com palavras/ que, às vezes, / sangram o coração, e/ mesmo que sejam relato da dor,/ podem dizer o que não sou/ mas poderia ter sido/ […] procuro ser desleal/ com o que sou,/ sendo fiel/ ao que pretendia ser”.
Essa, em grande parte, é a busca do próprio Newman, para quem a formação de matemático não se contrapõe ao desejo de tecer poemas— ao contrário, complementa-o, como se coloca no poema Construindo olhares: “no dilema da dúvida/ entre a equação e a metáfora/ vou construindo olhares/ por duas janelas:/ da razão e da emoção/ para fazer a leitura do Universo”.
De fato, a poesia constitui canal bem diferente da matemática, já que, naquela, Newman pode expressar a riqueza de suas vivências, de sua sensibilidade e, principalmente, de suas reflexões existenciais, que abarcam tanto a esfera individual quanto a coletiva, que, equilibrando-se, viabilizam a liberdade: “os vínculos mais profundos/ que estabelecemos/ com os seres e as coisas/ são imersos num/ misterioso silêncio/ […] as mãos do padeiro/ preparam a massa macia do pão, /plantado em trigos distantes,/ por mãos rudes do lavrador/ (anônimo)/ companheiro obscuro/ que eu gostaria de chamar irmão.”
Acompanha cada poema uma ilustração minimalista, criativa, sugestiva, linhas móveis em preto e branco, ligada a uma definição metafórica de silêncio, também sugestiva, que acaba enriquecendo, complementarmente, o poema. Muitas dessas definições evocam uma sabedoria e uma simplicidade viscerais, que todos temos, embora nosso olhar se distraia muito, focando-se em aspectos que tornam a vida complicada; já outras se mostram mais filosóficas e existencialistas.
Como sempre, em sua escrita, Newman Simões revela-se criterioso e elegante, usando os recursos sonoros e as metáforas de modo intenso e comedido, em poemas rápidos e densos. Essas características determinam que funcionem, como pílulas de emoção e reflexão, ao leitor de hoje, que vive correndo, em meio a intensos vazio existencial e solidão, instalados junto com a “nova ordem mundial”, a partir da década de 1990. Essa grande utilidade, somada à beleza dos poemas de Newman, mantêm-no na condição de grande candidato a novos prêmios literários. É ler e conferir.
——————–
Cimara Pereira Prada
Como escritor, reconhecemos o Newman ser humano muito especial. E cada lançamento seu é um presente delicado que emociona nossa mente e nossa alma.
A análise aprofundada da autora nos capacita a um entendimento mais completo do que a leitura nos proporciona. Parabéns à autora pela competente análise crítica.
Parabéns e obrigada, Newman, por mais esse sempre elegante e sensível agrado que nos faz.
Que venham os novos prêmios!