Sepulcros Caiados

Sepulcros Caiados

 

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Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia.
Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade.

Mateus 23, 27-28.

 

Sempre interessante e sugestiva é a práxis de Jesus. No cotidiano de seu Movimento – mediante a força e contundência de gestos, palavras e ações – vai se compondo um denso mosaico de referências, apontando para o caminho e à verdade, que conduz à vida. Em tempos turbulentos, de mar sombrio e de águas revoltas, torna-se fundamental voltar às fontes, beber na sabedoria perene dos ensinamentos do Mestre, para assim se separar, apropriadamente, o joio que cresce junto com o trigo.

Talvez as parábolas sejam de fato o recurso literário que mais nos aproxima de Jesus histórico. É como se pudéssemos ouvir, na narrativa de cada parábola, a voz serena e vital, do próprio Mestre. Recuperar as parábolas, com toda sua profundidade polissêmica, pode ser um caminho de discernimento, em um contexto de intensa instrumentalização da religião.

É próprio dos sistemas com viés totalitário utilizar-se de todos os recursos – ideológicos e mesmo repressivos – para arregimentar mentes e consciências, propagando que determinada ordem instaurada se encontra unicamente a serviço do progresso, do desenvolvimento. Aqui já cabe um enfático alerta do próprio Jesus: cuidado com os falsos profetas, pois são lobos ferozes travestidos de gentis cordeirinhos. Para reconhecê-los é preciso avaliar antes seus frutos. Uma árvore carcomida, com raízes putrefatas, não pode dar frutos bons e viçosos. Quem serviu, no percurso de todo uma história, aos ditames do maligno, reverenciando o deus capital, não pode ser sinal de salvação alguma. A figueira seca deve ser cortada, pois é incapaz de gerar bonança. Definitivamente a esperança não vem da escória, comprometida apenas em perpetuar miséria, subserviência e dominação.

O conselho parece ser por demais duro e até intransigente, mas Jesus não nutre ingenuidade, esperando que o servo mal e infiel passe a administrar com justiça e sabedoria. Ora, por meio de conchavos e fisiologismo, comprando seus lacaios, o administrador desonesto quer garantir respaldo e proteção. Jesus assevera: ninguém serve a dois senhores. Não se pode servir a Deus e ao dinheiro. A escolha do administrador infiel já tinha sido feita há muito tempo, basta olhar os frutos, em sua história pregressa. A salvação não pode vir de Baal e seus falsos profetas, isso inclusive já sabia Elias.

É preciso dizer que há um pesado farisaísmo no ar. O discurso dissimulado, a desfaçatez, a conspiração nas sombras, a traição desleal, a disseminação de calúnias, a detratação do oponente, a utilização de ardis e mentiras são sinais inequívocos da ação de forças tenebrosas, de artimanhas diabólicas. Os fins nunca justificam os meios. Os filhos das trevas deixam escapar seus obscuros interesses, seus pactos diabólicos, por meio de suas pérfidas estratégias. Os objetivos elevados decorrem de atitudes também nobres, íntegras, verdadeiras.

Um grande equívoco, alerta Jesus, é acreditar que odres velhos possam conter vinhos novos. Estruturas arcaicas, historicamente injustas, não suportam perspectivas libertadoras. As roupas velhas não aceitam as ideias novas. Revela-se imprescindível a construção de novas bases estruturais. Para edificar um novo tempo, alicerçado no direito e na justiça, é preciso antes destruir e derrubar, como já profetizava Jeremias. Na dinâmica de seu Movimento – que por sinal contava com diversas mulheres discípulas –, Jesus propõe um tempo de liberdade, no qual a vida torna-se sagrada e toda pessoa, qualquer que seja sua origem ou orientação, é plenamente reconhecida em sua dignidade. Como direcionamento econômico, conta-nos os Atos dos Apóstolos, em suas narrativas sobre as primeiras comunidades, que os cristãos tinham tudo em comum, nada era privatizado. Os bens estavam a serviço da vida, distribuídos equanimente. É preciso dar a César ao que é de César, para não se correr o risco de aclamar Barrabás como libertador.

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Adelino Francisco de Oliveira é doutor em filosofia pela Universidade Católica de Braga e professor do IFSP campus Piracicaba.

6 thoughts on “Sepulcros Caiados

  1. Olá, Prof. Adelino, gostei imensamente de sua reflexão e concordo que dos “Caiados” da vida não virá nada de justo, pois a história demonstra a podridão dessa gente.

  2. Olá prezado Antonio Boeing, estimo que esteja bem!

    Agradeço por seu comentário espirituoso. O trocadilho é bem adequado.
    Talvez no exercício do pensar consigamos resistir a essa situação que nos tem sido imposta. Fraternal abraço.

    1. Prezada Maria Madalena,

      É bom vê-la por esse espaço. De fato o Brasil passa por um grave momento, que requer de nós engajamento e comprometimento político.

      Abraços.

  3. Olá querido Adelino, como sempre nos saudando com reflexões significativas. O momento que vivemos nos faz enxergar muito além, e inclusive perceber, como você bem colocou, que nem tudo é o que parece e que o conhecimento pode nos dar óculos poderosos para separar o joio do trigo. Seguimos na luta, e, enquanto professores, possamos ajudar na elaboração desses “óculos” para nossos alunos. Que eles possam não apenas construir mais usá-los com sabedoria na escritura das páginas do nosso futuro.

    1. Querida professora Irlla, Agradeço pela interlocução qualificada. Conheço seu empenho e comprometimento com a educação. Partilhamos dos mesmos ideais. A reflexão séria, a formação consistente, o envolvimento com os temas fundamentais se revelam como caminhos para construirmos uma outra política.

      Com cordial amizade.

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