S. P. Q. R. – Pensativo, estava a refletir sobre o Fauno…

S. P. Q. R. – Pensativo, estava a refletir sobre o Fauno…

Certamente, sua visão, hoje, seria demonizada – pois qual o motivo dessa figura tão intrigante ser cabeça de tantas narrativas míticas, com nomes confundidos ao longo do tempo (como Pã ou Sátiro, Silvano e Lupércio). Fato é que o Fauno tem sua origem também na palavra “fato”, bem como “profeta”, meio humano, meio bode. Embora com lendas distintas, o segundo era defensor da floresta, o terceiro do campo contra os lobos. Afinal, foi em sua caverna, Lupercal, que a loba amamentou os fundadores de Roma: Rômulo e Remo – e a Cidade Eterna teria sua marca em quatro letras, o seu próprio “tetragramaton”.

Tocador de flautas, dançarino, caçador, sedutor da Musa da poesia que era Safo, com a ajuda de Afrodite, há quem defenda ser filho de Júpiter, ou de Marte. Só esse simbolismo entre seus “pais” já diz muito. Enquanto o Jovial é grandioso em suas ações, o Marcial é achegado às querelas, às rixas.
Pensando mais, vi que sua origem grega e a versão latina levam à raiz da palavra “falar”.

Debussy descreve essa figura com magia ao musicar o poema de Mallarmé no seu “Prélude à l’après-midi d’un faune” – que estreou em 1894, com o Fauno a apresentar sua flauta, e o compositor inaugurando o que podemos chamar de música moderna. Afinal, a boca do profeta profere a fala que pode ferir, com poesia e música aliadas, até mesmo os deuses. Daí ser o Fauno um semideus – que é nem uma coisa e nem outra, antes, instigador de fato.

Gabriel Fauré, em sua Pavane (op. 50), faz paralelo à homenagem que Horácio escreve em sua Ode XVIII com o Hino ao Fauno, com melodia e harmonia noturnas, acalentadoras, sedutoras. Ouvir essa obra e, mesmo, cantá-la, traz um pouco da paz que precisamos nesses momentos de pandemonização. Música moderna para nova normalidade, que não seja como a Brasília que vi na pista certa vez, com eixos traseiros quebrados, pesada, carregada até o teto, e atrapalhando o desenvolver do trânsito em plena noite chuvosa. O pobre do motorista era ex-capitão do exército, a quem ajudei a consertar a máquina quase desmontada. Eu, na época apenas “mechânico” que aprendera alguns rudimentos dessa arte com o irmão que de fato era, e depois se tornou digno de ser Silvano, um militar.

Ouçamos Debussy, Fauré e outras inspirações semelhantes que nos façam pensar sobre nossa superação, nossa resiliência, nossa fuga em ser como “Todo o gado que se diverte no plano gramado, quando as nonas de dezembro voltarem a ti; a vila que mantém o feriado desfruta do lazer nos campos, junto aos bois também livres da labuta” (da Ode XVIII).

Ave, Horácio!

Sátiros!

Precisamos de vocês nas florestas, nos campos para nossa agricultura, na inspiração musical!
Que venham para anunciar a Vida com as flautas, não com a foice de seu avô, Saturno!
Roguemos pela Paz, de Minerva, com a boa Música.

Ave, César!

 

 

 

 

 

 

Antonio Pessotti é músico, doutor pela Universidade de Campinas (Unicamp), pesquisador colaborador do Laboratório de Fonética e Psicolinguística (IEL – Unicamp) e professor de Canto e História da Música na Escola de Música Maestro Ernst Mahle (EMPEM).

 


(Imagem de capa: Magnus Enckell, 1914.  https://pt.wikipedia.org/wiki/Magnus_Enckell )

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