O senso comum, que não tem nada a dizer de sabedoria popular, procura reproduzir a ideologia de que toda pessoa tem o seu preço, como se as pessoas estivessem prontas para se vender, bastando apenas surgir a ocasião e a oferta mais conveniente. Esta equivocada compreensão parte do princípio de que há uma certa essência humana latente, ávida para se entregar a qualquer vantagem imediata. Ideologia que só serve para afirmar a lógica de exploração e opressão que se encontra na base do capitalismo, justificando, em uma pseudo-natureza humana, seus excessos e perversidade. A ideia de que a ocasião faz o ladrão busca reforçar e naturalizar esta falsa noção de uma essência humana corrompida.
Triste e lamentável que muitos políticos estabelecem suas relações com a população tendo como referência este registro de que toda pessoa tem um determinado preço, desconsiderando trajetórias, bem como a força de uma formação ética, tomada por postura altiva e plena em dignidade. Para alguns, já tomados por concepções tão pragmáticas, avessas a qualquer senso ético, a única linguagem que conhecem é a da troca, do fisiologismo, da mercantilização dos acordos e das relações. Esta visão está tão disseminada que em um determinado contexto eleitoral, diante de uma situação de aberto clientelismo e utilização criminosa da máquina pública, relatei, em tom de crítica e denúncia, um fato com um conhecido, que respondeu com banalidade: política é assim mesmo, se você tivesse oportunidade, certamente também faria igual.
Essa naturalização e banalização da corrupção, como se fosse uma realidade da alma humana, só serve para justificar as mazelas do sistema capitalista. A manipulação, a alienação e a mentira como estratégias para a disputa política já revelam o substrato de um projeto de poder que não guarda nenhuma relação com a afirmação do bem coletivo e da democracia, pautada no reconhecimento dos direitos fundamentais. Descartando qualquer perspectiva de coletividade, a outra pessoa, quando da relação clientelista, é vista apenas como um mero meio para se alcançar os objetivos mais comezinhos, mesquinhos e rebaixados.
O fato é que nem todo mundo se vende, pois as pessoas podem também ser guiadas pelo discernimento ético-político, que fundamenta a percepção de dignidade e altivez. Mesmo aquela pessoa em situação de vulnerabilidade, alijada dos direitos básicos de cidadania, pode assumir uma postura firme e coerente, erguendo a sua voz, com a mais nobre e vibrante coragem da verdade. Aliás, tão elevada dignidade, incompreensível para aqueles já viciados nos jogos de poder, só pode ter lugar na voz dos pobres, em um processo de libertação. Interessante que a formação políticas e projeta para além de conhecimentos acadêmicos. A práxis dos movimentos sociais, notadamente do MST, tem apontado para uma formação política capaz de suplantar a ética do capitalismo, que apregoa que todo mundo é, em alguma medida, comprável.
Para o espanto estupefato daqueles políticos já acostumados com a subserviência de tantos bajuladores, a dignidade se manifesta no rosto do povo, geralmente o mais pobre, quando se levanta contra as formas dissimuladas de opressão e exploração. Com elevada consciência política, apesar de todas as suas demandas existenciais, há uma humanidade que pulsa e se impõe, eclodindo na ousadia do grito: não estou à venda, vou seguir no caminho da verdade! Resgatando nossas melhores utopias, a rosa, em sua complexidade – que contempla delicadeza, espinhos, beleza e generosidade – tem mesmo muito a ensinar sobre política, dignidade e libertação!
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba.