Na política nacional, há tempos a palavra reforma vem designando a retirada de direitos dos trabalhadores ou das populações carentes de uma forma em geral (por exemplo: a lei do FGTS, que acabou com o regime da estabilidade no emprego; lei do contrato em jornada reduzida, que diminui injustificadamente as férias destes trabalhadores; lei do banco de horas, que permite a jornada diária com mais de 08 horas/trabalho e sem a multa (adicional) pela imposição da sobrejornada; o “pedágio” para os filiados à previdência oficial; o aumento do tempo de contribuição e outras medidas já tomadas no passado).
Ulysses Guimarães buscou blindar os direitos dos trabalhadores brasileiros na Constituição de 1988 – Ulisses foi presidente da Assembléia Nacional Constituinte e teve grande influência na sistematização dos trabalhos ao lado de Bernardo Cabral e outros. Fez isso trazendo ao artigo 7º do Texto Básico inúmeros direitos comuns (tais como 13º salário, férias, horas extras, adicionais de periculosidade, insalubridade, direito ao repouso semanal remunerado, jornada de 08 horas diárias e 44 horas semanais etc).
À época, criticou-se do ponto de vista técnico a iniciativa – porque não seriam estas normas constitucionais por excelência (materiais), mas apenas normas comuns que foram constitucionalizadas (normas constitucionais formais); fazendo com que nossa Constituição inchasse no número de normas.
Sabia, no entanto, Ulisses – experiente político de formação jurídica – que a alteração da norma constitucional é mais trabalhosa e complexa que a norma ordinária; o que causaria alguma dificuldade à direita brasileira, que iria – no futuro – investir vigorosa e impiedosamente contra os trabalhadores e pobres brasileiros. Assim, era necessária uma estratégia política, que até deu alguns resultados – porquanto a fúria “reformista” e deletéria aos interesses das classes menos favorecidas não conseguiu, até hoje, atingir o nível e as consequências desastrosas da “reforma” de agora. Assim, tendo o congresso conservador afastado Dilma – o PT e demais partidos aliados de esquerda – com a devida pressa, (verdadeira ânsia), lança-se no afã de “reformar” a previdência e os direitos trabalhistas.
Tem pressa inclusive porque novas eleições se avizinham, com o risco não só de Lula – em sendo candidato – ser eleito novamente, mas ainda porque após o fiasco da “lava-jato” (que acabou por implicar caciques de todos os demais partidos políticos – favor ler ou ouvir noticiários isentos e comprometidos com a informação), poderão os eleitores, até mesmo os mais desavisados, compreender a tática diversionista empregada; que foi a de fazer todos crerem que só o PT e seus aliados se utilizavam dos métodos de arrecadação denunciados naquelas operações, quando a verdade é que TODOS os políticos brasileiros se beneficiavam do mesmo esquema. Disso, portanto, poderá ocorrer que o mais importante dos poderes da República (o Legislativo), realmente sofra algumas alterações com aumento da bancada dos trabalhadores. Verdade é que o dinheiro continuará a regar as campanhas, estando nas mãos do capital (o que, aliás, como sempre, dificultará imensamente mudanças no Legislativo). Mas há ainda uma esperança: a de que os eleitores, inclusive a classe média, identifiquem seus verdadeiros representantes (principalmente agora que a máscara está caindo – em que pesem os ingentes esforços da mídia rica, que só divulgam notícias desabonadoras às esquerdas e poupam os seus diletos representantes de direita).
Enfim, não tenha dúvida. Reforma da Previdência? Diminuição de direitos dos futuros aposentados e pensionistas em geral. Reforma trabalhista? Diminuição de direitos de trabalhadores. Ao contrário do propagandeado, com tais mudanças advirá o enxugamento do meio circulante, pela precarização das condições de vida e trabalho – com aumento do desemprego. E, óbvio, massa salarial e de proventos previdenciários menores, mais recessão. E tudo isso, portanto, também com o sacrifício final de todo o setor empresarial produtivo; que não terá a quem vender, prestar serviços etc (menos para os bancos, que, óbvio, continuarão “emprestando” dinheiro para o Estado, além de continuar cobrando as taxas de juros estupendas dos particulares, com o apoio de sua agência, o Banco Central e ainda da Receita Federal, que continuará a esfolar os que trabalham, para que a União, ainda agora, com menos despesas previdenciárias, tenha de onde tirar dinheiro para dar aos banqueiros).
Aliás, é preciso desmascarar a falácia de que a reforma trabalhista aumentará a empregabilidade, pela diminuição de obrigações trabalhistas. Se isto fosse verdade, no período áureo da Revolução Industrial a miséria e o desemprego não teriam grassado pela Europa. De fato, vivia-se justamente a política econômica mais liberal da História recente. (“laissez faire, laissez passer”). Praticamente, nenhum direito trabalhista. E seus nefandos efeitos foram tão desastrosos, que, irradiados para o início do Séc. XX, contribuíram para desencadear as duas Guerras Mundiais – tendo contribuído decididamente para a eclosão da Revolução Russa.
Desta forma, assim como os neoliberais afirmam que lei trabalhista não cria emprego (o que não é bem verdade, posto que o mercado se faz com consumidores que ganham salários ou aposentadorias, que impulsionam a atividade econômica e, portanto, os empregos) podemos responder que a lei trabalhista também não diminui emprego. Os fatores econômicos que animam ou arrefecem os mercados são muito mais complexos e intrincados que as prosaicas normas de proteção ao trabalhador – as quais, aliás, quando comparadas em sua puerilidade (jornada de trabalho, horas-extras, férias, FGTS etc) – com os portentosos recursos econômicos brandidos pelos capitalistas, fica-se a imaginar como pode caber tanta mesquinhez e ganância na mente dos atuais líderes político-econômicos. Vejam só os valores estratosféricos que são diariamente trazidos à baila pelas operações investigativas em andamento. Dá prá acreditar no chororô deles?
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Dr. Alexandre A. Gualazzi é advogado e professor de Direito do Trabalho na Universidade Metodista de Piracicaba.