Pensei que a reforma aprovada era neo-liberal. Talvez até seja. Todavia, bem pensado, é mais do que isso. Os partidos políticos de direita que a encetaram são dominados por mentes medievais que querem o retorno do “laissez-faire laissez-passer”. São, portanto, “retro-liberais”. Têm saudades, e admiram, Adam Smith e outros economistas e pensadores renascentistas.
Pena que não deve dar certo para a sociedade brasileira, eis que há muito comprovado, pela própria ciência econômica, que a simples retirada de direitos sociais das massas não implica em maior atividade econômica, com melhor distribuição da renda. Pelo contrário, muitos países, e agora o Brasil é um sério candidato a fazer parte do time, tentaram o caminho sugerido e se deram mal.
Isto porque o mercado capitalista exige, para sua própria sobrevivência, que haja um meio circulante, ou um capital estrutural disseminado entre os indivíduos, que irão às compras, irão adquirir bens e serviços, gerando impostos e mais empregos, em um efeito cascata. São, enfim, os consumidores (o economista paquistanês, laureado com o Nobel, Muhamad Yunus, propõem o microcrédito dirigido aos pobres, como forma de se atingir o objetivo da distribuição de renda. É uma forma diferente e que deu também bons resultados, como na Bolívia, com Evo Morales). Mas tire as aposentadorias ou garantias trabalhistas dos pobres, e os velhinhos não irão mais comprar balas e brinquedos para os netinhos, e os trabalhadores não irão mais comprar celular e financiar um carro velho, e a corrente da fortuna será quebrada, com mais desemprego, menos arrecadação de impostos, menos serviços sociais, inclusive menos educação, e portanto aumento da incivilidade e da violência social. Que, aliás, foi o legado do liberalismo-econômico (conferir Encíclica Rerum Novarum e Laborem et Exercens de Leão XIII e João Paulo II, respectivamente, e ainda Leonardo Boff).
Atacando agora a miúdo. Onde, na CLT aprovada, está o caminho (ou o descaminho) ora abordado?
São vários os exemplos. Mas escolhendo aleatoriamente um, vejamos o Art. 442-B da Lei 13.467/17 (da reforma trabalhista), que trata do contrato de trabalho, e onde se vê que agora, se o empregado se inscrever como autônomo e todas as formalidades legais forem observadas, é o que diz a lei, não haverá contrato de trabalho, mas realmente tratar-se-á de atividade autônoma ou liberal. Assim, não sendo empregado, este trabalhador não terá direito a 13º salário, não terá férias anuais remuneradas, não terá direito a FGTS nem ao Aviso-Prévio preconizado na CLT. Não terá direito ainda às horas extras, à ambiente saudável (adicional de insalubridade) à ambiente seguro (adicional de periculosidade), a vale-transporte, alimentação, e também não haverá piso salarial e outras conquistas sindicais, posto que sendo autônomo não pertencerá à qualquer categoria de empregados.
O poderoso empregado, poderão dizer os retrô-liberais, poderá porém negociar tudo isso com o fraquinho patrão, que não terá, naturalmente, como resistir às pretensões do barnabé (rs,rs,rs).
Percebe-se, enfim, que doravante todos os empresários devem contratar pessoas com inscrição na Receita Federal(CNPJ), além de inscrição municipal, e na Previdência Social, e elaborarem contrato de prestação de serviços de autônomo, num fenômeno até pouco tempo combatido na Justiça do Trabalho e conhecido como “pejotização” (e que era visto como uma corrupção dos valores sociais do trabalho. Interessante né? O que era imoral e anti-ético virou Lei! Agora é até bonito!). E, se é que os Tribunais vão confirmar a barbárie, vamos aqui ensinar aos ávidos por lucro fácil, como “empreender”. O patrão deverá fazer assim: 1º) manda seu advogado elaborar aquele contrato de prestação de serviços de autônomo; 2) Chama o “Sr. Brasilino,” o trabalhador, e o manda assinar (se for analfabeto, melhor ainda, manda ele apor o dedão no lugar da assinatura, com duas testemunhas presenciais, também funcionários da empresa); 3) Depois, dá dinheiro para ele ir a um escritório de contabilidade, para que se inicie a regularização contábil-fiscal de sua empresa (do Brasilino); 4º) O escritório fará tudo isso, mas como o Brasilino não tem dinheiro, e é o patrão mesmo quem deverá pagar suas despesas, talvez o próprio departamento do pessoal ou, enfim, o escritório do patrão, já faça tudo para o Brasilino. PRONTO, está feito. As empresas brasileiras, todas portanto, devem seguir este simples, promissor, ético e edificante caminho, que aliás, os advogados trabalhistas em geral conhecem bem, eis que lidaram a vida inteira com os problemas da “pejotização”, e estarão aptos a orientar aos interessados, reduzindo em muito o custo da mão de obra. Vai ficar quase de graça mesmo. Baratinho. Você poderá, inclusive, contratar muito mais pessoas, de tão baixo o custo desta mão de obra.
Pena que você, patrão, em breve, provavelmente não irá mais saber muito bem o que fará com toda essa mão de obra disponível, né verdade? Pois de pouco adiantará dispor de mão de obra barata (na verdade mais barata e abundante porque sempre houve e foi barata), se não há mais mercado consumidor. Acho até que você vai fechar sua empresa e dispensar todos seus colaboradores, por mais barata que seja a mão de obra, porque, cá entre nós, estamos cansados de saber, mercado se faz com dinheiro circulando, não com cidadãos “duros”(esta é a lição histórica do período neo-liberal).
Proximamente, se este jornal permitir, abordaremos outra pérola de nossa reforma retrô-liberal-trabalhista-previdenciária, minimamente para darmos mais um pouco de risada, porque só chorar ninguém aguenta.
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EM TEMPO – Sabem aquele slogan dos “coxinha”, de que iam deixar o Brasil porque com os partidos políticos de esquerda que estavam no poder não dava etc e tal? POIS AGORA chegou o momento dos “oriundis” irem para a Itália, de “sanseis” irem para o Japão, descendentes de ibéricos irem para Portugal e Espanha, e até Bolivianos, Paraguaios, Argentinos e adjacências se salvarem. Já estou tentando convencer meus filhos a partirem. É sério! É chato dizer isso para as mães e pais de classe média que bateram panelas, mas seus filhos não terão mais futuro neste país. Melhor, portanto, ser copeiro ou serviços gerais na Itália ou Espanha, com garantias sindicais e trabalhistas (inclusive, pasmem, com previdência), do que ser técnico de nível médio ou superior no Brasil. Entenderam crianças?
P.S. : Sempre há uma exceção à regra. É que ia me esquecendo. Se você for banqueiro ou filho de banqueiro, não precisa se preocupar com nada disso. Aliás, devem ser os mais felizes com as “reformas”, notadamente a da previdência.
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Alexandre A. Gualazzi é professor de Direito do Trabalho na UNIMEP.