Mercê de comentários de um jornalista/comentarista de uma determinada rádio brasileira, curiosamente surgiu na mídia um debate segundo o qual “rachadinhas” (“affaire” recente da família Bolsonaro) não se constituiriam exatamente em corrupção ou ilegalidade, ou algo assim, porquanto a nomeação de assessores está prevista em Lei.
Ocorre que toda Lei é criada segundo um objetivo. No nosso caso, dentre outros, para a constituição e funcionalidade da República, que por sua vez objetiva o bem estar do cidadão. E daí que, toda a vez que estes objetivos legais não são atendidos pelos agentes públicos (os membros dos Poderes do Estado), mesmo que o ato administrativo seja formal e aparentemente correto ou adequado, haverá abuso de poder ou desvio de finalidade, que podem ser corrigidos via Mandado de Segurança ou Ação Civil Pública e outros instrumentos, como a atuação do Ministério Público.
Os políticos eleitos para desempenho de funções públicas, como vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidentes da república, podem (e até devem), por força de Lei, contratar sem concurso público assessores que irão auxiliá-los em suas decisões político-administrativas – como, por exemplo, um economista para orientá-los na área, um jurista para secundá-los nas respectivas questões, um engenheiro, um filósofo, sociólogo e outros (até um cabo eleitoral que, mesmo sendo às vezes semi-analfabeto, consegue perscrutar tendências e ansiedades do eleitorado, sendo portanto útil aos fins político-administrativos do nomeante).
Tais cargos, portanto, podem ser exercidos tanto por um PHd em Física por Harvard como por um energúmeno que a despeito disso satisfaz uma das necessidades do nomeante. Nada de errado. Pelo contrário. Como dito, foi o próprio legislador que vislumbrou a necessidade de um Presidente, por exemplo, o Lula, nomear Ministro de Estado (que é também um cargo de confiança), alguém que entendesse de educação, o Fernando Hadad. E o Bolsonaro nomear um tal de Salles para o Ministério do Meio Ambiente, e que recentemente renunciou, por falta de ambiente. (Em duplo sentido). Tratam-se, como se vê, de afinidades políticas que até contribuem, e muito, para observar-se o perfil ético moral do nomeante (dize-me com quem andas e te direi quem és).
Por isso tais cargos são ainda considerados de confiança. Confiança política e ideológica do nomeante no nomeado. Tais agentes nomeados não adquirem estabilidade na carreira pública, exatamente porque não são concursados, e devem deixar o cargo juntamente com o término do mandato do agente político eleito que os nomeou. Mas podem ser reconduzidos se o novo político quiser mantê-los. Mas, tem que trabalhar, se dedicar ao mister do cargo para o qual foi nomeado. Para isso a Lei foi criada.
Agora, nomear um assessor para a função de “aspone” (assessor de p* nenhuma, como diz o vulgo) e além disso embolsar sua remuneração, total ou parcialmente, é sim flagrante má-fé, terrível falta de ética pelo claro e evidente DESVIO DE FINALIDADE na aplicação da Lei.
Os crimes que daí podem decorrer contra a administração pública podem ser vários, ao menos em tese, inclusive ato de improbidade administrativa, conforme Lei n. 8.429/92.
Enfim, nós não pagamos nossos impostos para que sejam mal utilizados dessa forma. Se houvesse reta intenção do político nomeante, a norma jurídica, em sí, é boa, e só poderiam resultar bons frutos de sua escorreita aplicação.
Ainda importante anotar que a base disso tudo é a Constituição Federal do Brasil que se refere, no Art. 37, “caput”, que na administração pública devem sempre ser observados por todos os princípios da “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.” Tal ato das “rachadinhas” é, portanto, flagrantemente imoral e não se compadece às normas da República, podendo (devendo) o Ministério Público intervir, processando os infratores (parece já ter sido instaurado inquérito) e/ou podem também particulares e suas organizações, mercê da Ação Civil Pública, obstar a prática e por a cobro seus responsáveis.
A desinformação e ignorância tem sido a principal arma dos neonazifacistas no engodo do povo brasileiro.
É preciso, portanto, ler e estudar. Sempre e sempre. Aliás, parece que por isso mesmo a direita não investe em educação e cultura no Brasil. Não tem nenhum interesse, triste,trágica e lamentavelmente.
Alexandre A. Gualazzi é advogado.