Quem é o Rei?

Quem é o Rei?

Em momentos de crise mais aguda é comum as pessoas, levadas por certo desespero e sem fazerem uso de um pensamento ponderado, abraçarem as mais inusitadas promessas de solução. Sem muito discernimento e até de maneira emocional, parece haver um vale tudo para se alcançar uma resolução para os problemas sociais. A política é, então, esvaziada de seu caráter mais crítico e passa a ser tratada como uma dimensão quase mágica. Tal postura tende a conduzir ao poder pessoas despreparadas e sem compromisso com a construção da cidadania, mas que aparecem como salvadoras.

Concepções políticas e econômicas, já historicamente fracassadas, voltam a ser cogitadas como genuínas saídas, como se fossem representações originais. É o velho travestido de novidade. No campo da política, formulações anacrônicas reivindicam espaços de legitimidade. Despontam discursos em defesa da tirania, do militarismo, da monarquia e, no limite, até do fascismo. Na esfera econômica, evidenciando um profundo vazio de criatividade, há um coro monossilábico que só sabe repetir a cantilena neoliberal, com a defesa irresponsável do mercado, em detrimento direitos e cidadania.

As saídas e soluções para os graves problemas que tomam a sociedade passam, necessariamente, pela política. Sem se voltar para um passado imaginário, com projetos carcomidos de poder, é preciso se recriar a política, inovando-se com uma gestão participativa e atenta às múltiplas demandas sociais.Nas sociedades democráticas, a soberania cabe tão somente ao povo. Um fazer político sem interlocução constante e direta com a população pode redundar em autoritarismo e em decisões equivocadas.        

Todo projeto político deve levar em consideração a sociedade em seu conjunto. É preciso se repensar as cidades como espaço para todos os seguimentos sociais. Em aberto e intenso diálogo com a população, a política deve contemplar a diversidade, garantindo o acesso aos bens públicos e sociais para todos os cidadãos. No entanto, em compromisso com os princípios de justiça e equidade, torna-se fundamental uma atenção específica aos grupos que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social. No enfrentamento das mazelas sociais, as políticas públicas devem equacionar o equilíbrio no interior da sociedade, de maneira a possibilitar a superação de uma dura realidade marcada por injustiças e desigualdades.

Cabe à política contemporizar a dimensão dos direitos individuais com os direitos coletivos da cidadania. Pensar uma cidade para todos, pautada na perspectiva da inclusão e da plena participação, exige novas ideias e ousados projetos. Quem já está habituado a um determinado modelo de gestão pública, por estar sentado confortavelmente a muito tempo na cadeira do poder, não tem condições de reinventar a política, de maneira a promover as mudanças administrativas tão necessárias.

O desafio da sustentabilidade (social, ambiental e econômica), a efetivação de políticas voltadas às mulheres, o cuidado e proteção para com a juventude, o resgate das dívidas sociais com os negros e afrodescendentes, a abertura à diversidade etc são dimensões que englobam a pauta dos direitos humanos e avançam para uma nova sociabilidade. Este é o caminho histórico para a transposição da barbárie rumo à democracia de alta intensidade.

Adelino Francisco de Oliveira é filósofo, doutor pela Universidade de Braga, Portugal, e professor no Instituto Federal de São Paulo campus Piracicaba.

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