Em um espaço relativamente curto de tempo, no decurso de quatro anos, tive o privilégio e também a ousadia de participar, de maneira muito direta e intensa, de três disputas eleitorais. Cada uma delas acabou por me favorecer para uma compreensão talvez mais crítica e profunda sobre o jogo da política. Interessante que a política pode ter um conteúdo ético bem elevado, representando projetos coletivos plenos em dignidade. Mas a política pode também ser praticada a partir das estratégias mais desleais e rebaixadas, vislumbrando atender apenas aos interesses individuais mais comezinhos de poder. Neste contexto, torna-se urgente a articulação de uma resistência crítica, disposta a romper e superar práticas políticas profundamente viciadas e não democráticas.
A percepção fundamental é que parece prevalecer o jeito rebaixado de se fazer política, sem o mínimo compromisso com a construção de qualquer projeto com perspectiva democrática. Dois aspectos se sobressaem desta forma desviada de política: o patrimonialismo e o clientelismo. A utilização oportunista da estrutura pública, agindo como se o bem público fosse uma mera propriedade privada, a serviço da perpetuação de um lugar de poder, define, em linhas gerais, o patrimonialismo. Na dinâmica do patrimonialismo, a instituição pública, com todos os seus recursos, torna-se um bem voltado para atender e suprir os interesses mais pessoais. O clientelismo é o desdobramento da prática patrimonialista, efetivando a política como lugar da troca de interesses. A hegemonia prolongada de um mesmo grupo sobre uma determinada instituição, pode levar a sérias deturpações nas relações políticas. Aquele a quem é confiado o poder, por um período limitado de tempo, oferece cargos, benefícios e favores, em troca de apoios e votos, corrompendo o sentido mais genuíno da disputa política, buscando, tão somente, a perpetuação do lugar de poder e privilégio.
A questão, talvez mais grave e escandalosa, é que esta forma de se fazer política, baseada no patrimonialismo e no clientelismo, tem sido, de maneira general, legitimada e naturalizada. Recordo-me que em uma das eleições que disputei, recebi a visita de três eminentes senhores, oferendo cargos e até dinheiro em troca da retirada de meu nome do pleito. É a banalidade da prática política mais deletéria, que já nem causa mais espanto, nem indignação. Mesmo em ambientes onde se pressupunha posturas mais éticas, tem reinado uma certa apatia e conformismo, no sentido de justificar que é assim mesmo que se opera no campo da política. Com desfaçatez e muito espalhafato nas redes sociais, os clientes vão recebendo os seus espólios, butins ou pilhagens, em um evidente movimento de aparelhamento dos espaços públicos. Presencia-se a morte da política, em seu significado mais forte e elevado.
A saída está sempre nas construções éticas, coletivas e democráticas! É urgente, é necessário se resgatar a política em seu sentido mais genuíno e fundamental: como a arte, como ciência que busca criar estratégias para se edificar o bem coletivo. A disputa política deve ter como elemento principal a defesa de projetos, apresentados em um contexto de transparência e lealdade, sempre livre de manipulações, de utilização da máquina pública, de qualquer tipo de clientelismo e de culto ao personalismo. Torna-se fundamental reinventar a política, para que as instituições públicas voltem a vislumbrar projetos coletivos, capazes de responder, realmente, às demandas e necessidades da sociedade em seu conjunto. Este talvez seja um dos maiores desafios do nosso tempo: recuperar a política enquanto lugar para se projetar as utopias.
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba.