É interessante pensar o humano como um ser aberto, que nasce sem determinações, livre de qualquer essência. Isso significa que cada pessoa se define na cultura, ao longo de sua trajetória existencial. As condições objetivas, a dinâmica da cultura, as experiências mais singulares e as escolhas realizadas ao longo da vida cumprem a função de moldar e definir a pessoa.
A verdade é que ninguém nasce pronto, especialmente no que tangencia a formatação de valores e princípios. No campo da construção das referências valorativas, as experiências relacionais e os exemplos percebidos no período da infância são particularmente fundamentais. Os hábitos apreendidos vão, de maneira paulatina, moldando o caráter, a pessoa. Tudo é uma grande, profunda e complexa construção.
A ética é hábito. É a busca filosófica – por tanto, crítica e ponderada – pela decisão mais verdadeira. A boa notícia é que ninguém nasce eticamente bom ou ruim. É sempre a existência que tem a última palavra na dinâmica da formação. O cultivo dos princípios mais elevados contempla uma dimensão coletiva, cultural, mas não deixa de ser uma tarefa também de cada um, na singularidade das escolhas mais íntimas, profundas e imprescindíveis.
A Compaixão é uma verdade ética, que precisa se tornar hábito, de maneira a definir às ações mais cotidianas. O Princípio da Compaixão deve ser ensinado e apreendido como o princípio fundamental, o critério básico, de todas as relações. A Compaixão consiste em desenvolver a nobre capacidade de sentir com o outro, com o mundo, com a natureza, tornando-se sensível às suas dores, experiências e alegrias.
A Compaixão desdobra-se do cultivo interior do sentimento de empatia, fazendo-se profundamente solidário com a infelicidade que traz sofrimento para o outro. A vida se manifesta como uma complexa teia, um intrincado de relações. O Princípio da Compaixão é gerador de atitudes de vínculo e intensa ternura, na mais alta percepção de que há um entrelaçamento profundo entre todos os seres e a natureza. A Compaixão é fruto de um crítico discernimento ético. Sentir Compaixão é uma forma ética de viver. Quem foi treinado para o ódio, torna-se incapaz de manifestar empatia em relação ao sofrimento que aflige o outro e a natureza. A ética da Compaixão faz com que a vida do outro e do planeta pulsem também dentro de cada indivíduo.
Tudo que está posto de mau e de perverso pode ser suplantado. É sempre possível a construção de um novo tempo, demarcado por uma outra sociabilidade. É urgente derrubar e destruir para reerguer e edificar. Outras estruturas devem emergir, dinamizadoras de uma cultura aberta ao diverso, comprometida com o programa dos direitos humanos e refratária a todas as formas de opressão e exploração, de maneira a possibilitara aurora da ética da Compaixão, em uma humanidade que se reconhece na mais estreita interação com o outro e com a natureza.
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal, campus Piracicaba. Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião.
(Foto de capa: Paulo Pinto – São Paulo 29/01/2021 LUMINÁRIAS PELA VIDA – instalação da artista Bruna Lessa no Teatro Municipal de São Paulo).