Piracicaba é uma cidade reconhecida por sua vocação democrática. O município protagonizou, ao longo da sua história, episódios marcantes de resistência à intolerância e à violação da dignidade humana. Nesse início de agosto, dá mais um passo importante nesta direção, com o anúncio da criação do IPEDD (Instituto Piracicabano de Estudos e Defesa da Democracia), organização que nasce no seio da sociedade civil e orientada pelo suprapartidarismo.
Em plena ditadura militar, nossa cidade sediou, no início dos anos 1980, dois congressos da UNE (União Nacional dos Estudantes). No processo de transição democrática, foi palco de memoráveis passeatas e comícios pelas “Diretas Já” e assistiu à mobilização de muitos setores da sociedade civil na construção da Constituição Cidadã de 1988.
Vivenciou também experiências inovadoras de educação popular nos anos 1980, sob a inspiração de Paulo Freire, a partir do “Projeto Periferia” desenvolvido na Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba). No campo popular, viu nascer na mesma época a Asfap (Associação dos Favelados de Piracicaba), que resultou na urbanização de dezenas de núcleos de ocupação.
Todo este legado nos permite ficar esperançosos com a fundação do IPEDD, que ocorre em um momento de rara oportunidade, consideradas as condições de fragilização por que passa a democracia, de modo especial no Brasil. O país está mergulhado em uma das mais profundas crises pelas quais já passou e as perspectivas, infelizmente, são de poucas chances de mudanças significativas a curto prazo.
O ambiente de degradação é estimulado, de modo irresponsável, a partir do governo central, recém-eleito, que aposta no acirramento dos conflitos como estratégia para impor suas pautas e projetos de redução de direitos sociais. Um governo que, ao contrário de buscar a conciliação e o diálogo, se impõe pela violência e destruição de todas as formas de crítica, oposição e participação social instituídas.
Este quadro de ameaça à democracia é permeado e influenciado pelo atual modelo de produção, distribuição e consumo de informação e conhecimento. A internet e os suportes móveis de comunicação têm se convertido em ambiente fértil para a profusão de “fake news” e esses meios têm sido utilizados nas lógicas da pós-verdade e da desinformação. O uso de algoritmos e robôs estimula a construção de bolhas de relacionamento que, em muitos casos, só agudizam a intolerância e a impossibilidade de diálogo.
No Brasil, há que se considerar também o fato de a grande mídia ter assentido e sido, em grande medida, cúmplice no recente Golpe de 2016, ao naturalizar práticas de violência contra a Constituição e o Estado de Direito. Parcela da sociedade organizada já identifica a forma de operação dessa mídia convencional e articula, principalmente no espaço da internet, iniciativas das chamadas novas mídias alternativas – mas essas ainda têm influência reduzida sobre o conjunto da população.
Colocados todos esses elementos, parece-me importante ressaltar que o debate sobre a democracia e as condições para sua existência passa pela reflexão sobre os papéis da informação, da comunicação, da mídia e da própria Internet. Construir novas formas de organização democrática inclui lutar pelo fortalecimento da cultura, da educação e do direito à informação, inclusive com o resgate do jornalismo e de seu importante papel de mediação.
Nesse contexto, a fundação do IPEDD nos permite sonhar com a criação de amplos espaços de diálogo entre todas as forças da cidade comprometidas com a democracia, com o fortalecimento dos espaços públicos, com a participação popular e a construção de uma cidade mais inclusiva e garantidora de direitos. É alvissareiro que o Instituto nasça e se declare suprapartidário, pois é fundamental reconhecer o papel dos partidos políticos, representantes legítimos de diferentes concepções de poder, no processo democrático.
Destaca-se a pluralidade do coletivo que responde, de início, pela nova organização. Vale ressaltar o acerto ao se depositar sob os ombros do professor Ely Eser Barreto César a responsabilidade pala sua liderança. A biografia do professor Ely inclui obras primorosas, como a que pude compartilhar durante a construção da Política Acadêmica da Unimep, que projetou a instituição em todo país ao propugnar a cidadania como patrimônio coletivo da sociedade e estabelecer a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como nortes.
Os anseios pela garantia de direitos, liberdade de expressão e participação na gestão pública fazem parte da cultura da cidade. Lideranças intelectuais, comunitárias, sindicais, religiosas e dos mais diferentes movimentos sociais e culturais certamente irão encontrar no Instituto um espaço para o debate e a construção de novos modelos de cooperação. A intolerância e a violência serão enfrentadas com o diálogo e o respeito à diferença. Vida longa ao IPEDD.
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Paulo Roberto Botão é jornalista e mestre em Comunicação Social. Coordenador do curso de Jornalismo da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), é também membro do Conselho Consultivo da Abej (Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo) e diretor de base da Regional Piracicaba do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo.
A realidade é que 82 porcento dos piracicabanos são bolsominions e como o IPEDD vai mudar esse quadro?
Meu caro Pedro, apesar do resultado eleitoral de 2018 ter sido próximo disso, não acredito que seja possível afirmar que o pensamento do Bolsonaro seja compartilhado por tantas pessoas na cidade. A eleição foi marcada pela expressiva presença de fake news e pela construção de uma narrativa de que ele poderia superar problemas em áreas sensíveis como emprego e segurança e ainda acabar com a corrupção. Até o momento, infelizmente, parece que não tem sido esse o tom do governo. Penso que os desafios do Instituto sejam de longo prazo, muito ligados à educação, à cultura e à construção de novos espaços de diálogo. Vamos observar.
Prezado Pedro Zagatto, o IPEDD, pretende entre suas várias atividades futuras, fornecer através de formação, a problematização de Democracia, sua importância na vida cotidiana dos/as Piracicabanos/as e propor ações que possam ajudar a todos/as na para viver com respeito e dignidade. Você se desejar pode se juntar a nós.